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Tradicionalmente, a estrutura narrativa do cinema parece mais determinada por sua apresentação visual, composta de tomadas de câmera diversas e efeitos especiais, do que por uma dramaturgia mais densa que aproxime este meio da linguagem teatral ou da literatura. Vimos na aula 2, Análise das Narrativas (no item Narrativas Clássicas), como a linguagem cinematográfica construiu sua modalidade narrativa a partir de obras que consagraram o gênero, como O Nascimento da Nação, de 1915, dirigido por David Wark Griffith, ou O Encouraçado Potemkin, dirigido por Sergei Eisenstein, em 1925. Outras obras também foram fundamentais na consolidação da linguagem, a exemplo de Cidadão Kane, produção de Orson Welles, de 1941, que revigorou o gênero com um processo criativo inovador para a época ou, nas acepções de André Bazin, uma obra de influência e importância exemplares para o cinema.
Para além da valorização original de uma ação particular, foram as próprias estruturas da linguagem cinematográfica, tais como quase universalmente praticadas em 1940 e ainda hoje com grande frequência, que Welles veio subverter. (BAZIN, 2006, p. 88).
No mesmo livro, o autor narra a competência com que Welles brinda o espectador em uma sequência única do filme, que apresenta planos distintos de informação:
Estudemos, por contraste, uma sequência típica de Welles: a do envenenamento de Susan em Cidadão Kane. A tela abre-se sobre o quarto de Susan, vista de costas à mesa de cabeceira. Em primeiro plano, colado contra a câmera, um copo enorme, ocupando quase um quarto da imagem, com uma pequena colher e um frasco de remédio destampado. O copo nos esconde quase inteiramente a cama de Susan, mergulhada numa zona de sombra de onde emanam alguns roncos indistintos, como de alguém dormindo drogado. O quarto está vazio; bem ao fundo desse deserto privado: a porta, que parece ainda mais distante pela falsa perspectiva da objetiva e, por trás dessa porta, golpes. Sem ter visto outra coisa a não ser um copo e ter ouvido dois ruídos, em dois planos sonoros diferentes, subitamente compreendemos a situação: Susan trancou-se no quarto para se envenenar; Kane tenta voltar. A estrutura dramática da cena está essencialmente fundada na distinção dos dois planos sonoros: o ronco, próximo, de Susan, os golpes de seu marido atrás da porta." (BAZIN, 2006, p. 89-90).
O exemplo citado nos mostra como é possível inovar em uma determinada linguagem, mesmo que os recursos técnicos permaneçam inalterados. Vale resgatar, portanto, ainda dentro da produção cinematográfica, outros elementos que trouxeram inovações, transformando a indústria e nossa percepção dos modelos narrativos. Em Festim Diabólico (Rope), de 1948, Alfred Hitchcock se utiliza de uma cronologia que faz o tempo de filme, durante um banquete, durar o mesmo tempo “real” que os espectadores levam para assistir à trama, assim como, inversamente, a técnica “bullet time”, de Matrix, faz com que o fato em câmera lenta envolva o espectador, encantando-o com o espetáculo visual. Também nos games encontraremos situações similares, como a catarse proporcionada por uma batalha online com aliados em Destiny ou a sensação ou o espanto causado por descobrir que você interpreta o grande vilão por trás da saga de Bioshock.
Certamente, em uma linguagem como o cinema, com mais de um século de história e disseminada pelo mundo, muitos foram os momentos que marcaram essa expressão cultural, a exemplo da obra Um Cão Andaluz, dirigido por Luis Buñuel, com roteiro surrealista de Salvador Dali, em 1929, na França. O filme é uma das produções mais inusitadas e experimentais do início da linguagem. Em termos narrativos, é em projetos como Pulp Fiction, de 1994, de Quentin Tarantino, ou Amnésia, obra de 2000, assinada por Christopher Nolan, que se encontram as experimentações mais recentes em busca de novos limites para o cinema.
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