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Walter Benjamin, filósofo alemão da Escola de Frankfurt, elucida em O Narrador (1936) a ideia de narrativas literárias múltiplas, como a historiografia clássica de Heródoto, a epopeia grega, a crônica medieval, o romance de cavalaria e o conto popular, bem como a "desorientação" moral das formas especificamente modernas, cultas e urbanas de narrativa a exemplo do romance moderno, das short-story e da narrativa jornalística. Para Benjamin, a cultura moderna abre mão da figura do narrador, que tem sido, via de regra, o grande condutor de histórias desde Téspis na Grécia antiga. O autor considera a narrativa tradicional, fruto das revoluções culturais da modernidade, como irremediavelmente perdida e não propõe nenhuma forma de retorno a essa tradição. Não por acaso, argumenta que "[...] a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente" (BENJAMIN, 1987, p. 197), dando como já inexistente a faculdade de contar histórias.
Os contos de fadas apareceriam, segundo a interpretação do estudioso, como o primeiro conselheiro das crianças e também da humanidade. Se considerarmos as pesquisas que hoje apontam para as potencialidades educacionais dos games e a capacidade de instrumentalização dos jovens para inúmeros conhecimentos gerais, dos princípios da mecânica clássica newtoniana, como visto em puzzles ou na construção de traquitanas para Angry Bird Bad Piggies 2, à compreensão da geopolítica por meio de games que envolvem história e contextos sociais, como Rome Total War, Assassin’s Creed ou Age of Empires, perceberemos que também os games são veículos de cultura e aprendizado.
Saber desenvolver roteiros capazes de mesclar o desafio e a interação proporcionados pela dinâmica do jogo a conteúdos relevantes está entre os conhecimentos mais importantes para a produção de narrativas envolventes e contributivas para o aperfeiçoamento, e por que não para a diversão?
Ao analisar a narrativa do fantástico, Tzvetan Todorov, acreditava, ao final dos anos 1970, que esse gênero implicava na integração do leitor ao mundo das personagens, "[...] define-se pela percepção ambígua que o leitor tem dos acontecimentos narrados; esse leitor se identifica com a personagem" (TODOROV, 1979, p. 151). Assim considerou o autor, aproximando suas ideias da suspensão da descrença de Coleridge, na afirmação de quase chegar a "acreditar que era verdade", o leitor-iterator estaria envolvido pela ilusão proporcionada pela narrativa ficcional, encontrando ali a fórmula que melhor sintetizaria o espírito do fantástico. "A fé absoluta, como a incredulidade total, nos levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida." (TODOROV, 1979, p. 150). Interessante notar como essa reflexão se assemelha ao pensamento de Aristóteles, ao invocar a ideia de ser "preferível escolher o impossível verossímil ao possível inacreditável". A construção narrativa deve, portanto, ainda que ficcional, mostrar-se como uma história crível ou momentaneamente aceitável para o contexto apresentado. O postulado vale para o conto Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrito por Machado de Assis, no qual um morto narra sua história, ou para o fato de Wolverine ter sobrevivido à injeção de Adamantium em seus ossos em virtude de seu acelerado fator de cura.
No campo da criação literária, valem também as premissas que envolvem os elementos já observados no item “Elementos da Narrativa” no início desta aula, capazes de compor obras de grande magnitude, como Ulisses, de James Joyce, que propõe um paralelo entre a modernidade e a odisseia homérica, ou projetos populares, como a série Pierce Jackson, que narra a epopeia de um jovem frente a monstros e deuses mitológicos, que aproximam sua saga da Jornada do Herói, segundo a teoria do Herói de Mil Faces, do mitólogo e professor Joseph Campbell, cujo teor estudaremos futuramente nesta disciplina.
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