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Todos os exemplos de criação de roteiro e produção narrativa até aqui apresentados servem como base para avaliar as possibilidades de desenvolvimento de narrativas para os projetos que envolvem hipermídia.
Alguns trabalhos estarão diretamente ligados à arte, como fenômeno estético e cultural, exigindo contemplação e reflexão sobre seus potenciais significados e produção de sentido. Outras obras tentarão se aproximar do elo comunicacional das mídias convencionais, adaptando as narrativas para novos meios. No primeiro caso, podemos ver exemplos em projetos como What It Is Without the Hand That Wields It, de Riley Harmon (2008) ou Potemkin Panic! 4, de Gabriel Menotti (2008). A subjetividade narrativa desses trabalhos está diretamente ligada a referenciais culturais do apreciador.
Projetos multimídia como contos interativos ou games tornam o envolvimento com a narrativa da obra muito mais imediato, dado que sua construção apela para uma forma mais convencional de apresentação da história.
Entre as formas de narrativa mais recentes, podemos citar a cultura digital a partir de meados do século XX, com a introdução comercial dos chips e, mais intensamente, à medida que as conquistas tecnológicas avançam nesse início de milênio com a produção de obras multimídia que se caracterizam pelo oferecimento de uma navegação desconstruída, diferente das mídias da atualidade.
Baseada no padrão tecnológico de processamento e rastreio de informações digitais, a elaboração de roteiros para essa nova manifestação cultural atendeu a uma dinâmica narrativa bastante incomum para as formas então usuais de cultura, estabelecidas pelas linguagens da literatura, teatro, cinema, quadrinhos, televisão e rádio, maciçamente.
No caso das artes hipertextuais, como web e jogos, há uma distinção da máxima estabelecida por Aristóteles (a ideia de começo, o meio e o fim como fundamentais em uma obra narrativa), pode-se encontrar um ou mais começos e não haver, necessariamente, qualquer indicação de final, que pode até mesmo não estar presente na obra, mas “linkado” por um endereçamento para qualquer outro tipo de mídia ou dispositivo conectado.
Como aponta a professora Ilana Snyder, do Rio de Janeiro, “a narrativa hipertextual e multidimensional é teoricamente infinita: sua gama de possibilidades de conexões são fixas, variáveis e randômicas.” (SNYDER, 2005, p. 09).
A pesquisadora apresentou em sua palestra, em 2005, uma imagem do organograma rizomático da hiperficção Victory Garden, produzida por Stuart Moultrop, em 1991, que indica grosso modo o panorama de possibilidades de interatividade no processo aleatório de um sistema digital, conforme reproduzido abaixo:
Da mesma forma, a plataforma interativa dos jogos digitais, associada aos avanços tecnológicos das novas safras de consoles dedicados e computadores domésticos e móveis, passa a oferecer a oportunidade de vivência dramática nestes universos ficcionais que, não raro, aproximam essa ação dos momentos mais intensos presenciados através de recursos como a poesia, a prosa, o teatro ou o cinema, para ficarmos em poucos exemplos. Simulações digitais emocionais como as vividas em jogos como Final Fantasy VII (a primeira morte trágica de um parceiro do protagonista nos games) ou a densidade dramática de um projeto como The Last of Us, mostram-se o ponto de convergência entre as narrativas clássicas e a interação proporcionada pelos jogos. De fato, a poética desenvolvida com esses recursos, diferentemente das narrativas tradicionais, propõe a importância na participação e agência do jogador como forma de completar sua experiência imersiva.
A pesquisadora Diana Domingues corrobora essas afirmações ao observar que os “algoritmos constroem narrativas, ou melhor, acontecimentos, que dependem do comportamento de quem interage, propiciando espacialidades e temporalidades que homologam graus de realidade ao mundo virtual.” (DOMINGUES, et al, 2003, p. 50). Nik Kelman celebra a oportunidade oferecida pelos meios digitais de podermos escolher uma experiência imersiva dramática mesmo quando um game não exige qualquer narrativa, em razão de sua interatividade. O autor observa que praticamente todos os títulos não-simuladores apresentam narrativas incorporadas, denotando nossa necessidade fundamental de vivenciar histórias.
Em virtude da natureza formal dos jogos, eles são particularmente apropriados para inventar e transmitir não apenas qualquer narrativa, mas especialmente narrativas mitológicas. Eles nos tornam participantes muito além de onde poderíamos chegar como espectadores, ouvintes ou leitores, porque nos permitem não apenas querer ser o herói mítico, mas sê-lo de fato. (KELMAN, 2005, p. 36)
A narratologista Janet Murray denomina este fenômeno como cyberdrama, termo cunhado pela autora para identificar o novo modelo de contação de histórias proporcionado pela cultura digital como meio de expressão: “[…] a forma de história digital que há de surgir – não importa o nome que receba – assim como o romance ou o cinema, abrangerá muitos formatos e estilos diferentes, mas será, essencialmente, uma entidade única e inconfundível [...] uma reinvenção do próprio ato de contar histórias para o novo meio digital.” (MURRARY, 1997, p. 251-52).
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