Cursos / Jogos Digitais / Introdução a Jogos Digitais / Aula

arrow_back Aula 01 - Histórico dos Jogos Digitais

1. Mas o que é um jogo mesmo?

Você sabe o que é um jogo? Essa pergunta parece besta, não é?

Faça o seguinte: abra um editor de texto. Não se preocupe, eu espero. Pronto?

Complete esta frase com suas palavras: Um jogo é…

Difícil? Também acho! Apesar de ser um conceito que intuitivamente entendemos, definir o que é um jogo não é uma tarefa tão trivial assim! Tanto é que, até hoje, não existe uma definição única do que é um jogo, mas um entendimento generalizado dos estudiosos sobre o tema.

Basicamente, existem várias definições do que é um jogo! Mas se pararmos para analisá-las, vamos perceber que existem elementos que são comuns entre elas. Que tal fazermos esse exercício?

Eita que povo teimoso….

Calma, não vai ser tão chato como você pode estar achando.

Vamos destrinchar as principais definições e entender o que o autor quis dizer com aquilo, ao final, tentaremos montar a nossa própria definição do que é um jogo, combinado?

Em 1984, Chris Crawford lançou um livro chamado Art of Game Design. Esse livro, um dos primeiros que abordavam de forma acadêmica a construção de jogos digitais, traz uma definição do que é um jogo com base em quatro elementos:

  • Representação: um jogo é um sistema formal fechado que compõe uma representação do mundo real.
  • Interação: jogos permitem que os participantes atuem de forma ativa o mundo do jogo através de suas ações.
  • Conflitos: jogos possuem conflitos entre o jogador em busca de um objetivo e os obstáculos, os quais tentam impedir que ele chegue até esse objetivo.
  • Segurança: apesar de haver conflitos, o jogo permite que o jogador experimente essas sensações de forma segura.

Esse Chris Crawford… vamos quebrar um pouco essa definição dele e tentar entender cada parte.

Um jogo é um sistema formal fechado que compõe uma representação do mundo real.

O que significa dizer que um jogo é um sistema formal fechado? Um sistema formal significa que ele possui um conjunto de regras que o definem. O fechado significa que essas regras que o definem não sofrem interferência externa. Mudando um pouco as palavras:

Um jogo é um sistema de regras que não podem ser modificadas de forma externa.

Ou ainda:

Um jogo é um sistema com regras que o definem e você não pode ficar “bulindo”.

Ótimo! O importante dessa parte da definição é a constatação de que o jogo possui regras, e essas regras definem como o jogo funcionará. Isso é verdade em praticamente qualquer estilo de jogo, seja digital ou não. Isso também pode ser observado na definição de Clark Abt, quando ele diz que o jogo ocorre em um contexto limitado, ou seja, existem regras que limitam o que o jogador pode ou não fazer.

E a parte do fechado? Dependendo do estilo do jogo, ela não é tão garantida assim. Um exemplo simples: em uma partida de banco imobiliário, um grupo de amigos pode inventar uma nova regra para o jogo durante a partida, por exemplo, um jogador poderia subornar o banco para conseguir comprar um terreno sem atingir as condições necessárias.

Fica então totalmente furada a definição? Na verdade, ela caracteriza melhor os jogos digitais! Como eles são programas escritos para rodar no computador, o que se pode fazer é apenas o que foi programado e possibilitado pela equipe que fez o jogo, e não se pode alterar o funcionamento básico depois que o programa foi finalizado. Então os jogos digitais se enquadram melhor nessa definição de sistema fechado.

Outro detalhe muito importante dessa definição vem do trecho “uma representação do mundo real”. Ela destaca que o jogo se passa em um ambiente próprio, com espaço e tempo pertencentes ao mundo do jogo. Isso também está de acordo com a definição do autor Johan Huizinga, ao afirmar que o jogo se passa dentro de seu próprio espaço e tempo e que o jogador então se insere nesse mundo fantasioso para vivenciar experiências. Esse ambiente descrito por Huizinga é chamado de Círculo Mágico, ou Magic Circle. Vocês estudarão mais sobre isso na disciplina de Design de Jogos Digitais!

Jogos normalmente possuem um espaço virtual no qual as interações ocorrem.

Jogos permitem que os participantes afetem de forma ativa o mundo do jogo através de suas ações.

Veremos, então, mais uma característica básica dos jogos digitais: a interatividade. Diferente de outras mídias em que os participantes apenas permanecem passivos enquanto a ação se desenrola, sem nenhuma possibilidade de alterar o caminho dos eventos (por exemplo, filmes e livros), nos jogos é o próprio jogador quem define o rumo que as ações do jogo tomarão, inclusive podendo afetar o mundo do jogo e sua história de forma significativa. Esse elemento de interação é algo bastante singular e importante na definição do que é um jogo!

Dois pontos que são importantes de se destacar: a interação sugere ação por parte do jogador. Outros autores também destacam o jogo como uma atividade, como Sutton-Smith e Avedon, definindo o jogo como um sistema onde você exercita sua capacidade de controle da situação, seja com atividades físicas (jogos desportivos, por exemplo) ou intelectuais.

Outra definição que também atesta sobre a capacidade de atuação do jogador sobre o mundo do jogo é do designer Sid Meier, este afirma que um jogo nada mais é do que uma sequência de escolhas significativas feitas pelo jogador. Entende-se por essa definição que as interações pelas quais o jogador faz são partes cruciais para a compreensão do que é um jogo. (ADAMS; DORMANS, 2012).

Jogos possuem conflitos entre o jogador em busca de um objetivo e os obstáculos, os quais tentam impedir que ele chegue até esse objetivo

Opa! Aqui temos mais dois pontos interessantes, o primeiro refere-se ao objetivo do jogo: algo que indica ao jogador qual deve ser a sua ação, uma orientação de como ele deve atuar para ganhar o jogo. Salve o castelo, marque mais gols que o time adversário, desvende os mistérios do estado perdido do Acre… seja qual for o objetivo, ele indica ao jogador a existência de um propósito a ser cumprido para que ele vença.

Embora vários autores também concordem com o fato de que jogos têm um objetivo final a ser alcançado, existem alguns exemplos de jogos que não se enquadrariam bem com esse elemento de definição. Considere um jogo como The Sims, por exemplo. Qual o objetivo de um jogo que, em tese, não termina?

Meu objetivo é só terminar esse prato…

Ora, mas se você pensar bem, não é que The Sims não possua objetivos, ele não possui um grande objetivo final, o qual indica que você concluiu o jogo. Mas ele possui objetivos menores, que o jogador está constantemente tentando alcançar: uma promoção no emprego, a compra de um objeto específico, a construção de uma casa ou a formação de uma família. Logo, podemos ver que objetivos são características presentes nos jogos, sim senhor!

Mas também não é algo entregue de mão beijada! O autor também fala de obstáculos a serem superados. Ou seja, se ele pode vencer, também pode perder. O autor Roger Callois (1961) reforça isso quando diz que um jogo possui essa incerteza de resultado, não sendo possível garantir com 100% de exatidão qual será o resultado de uma partida quando ela está em seu estado inicial. Esse elemento de surpresa e imprevisibilidade também é algo muito importante quando falamos de jogos, afinal ninguém gostaria de jogar um jogo já sabendo se vai perder (Dark Souls?) ou ganhar, seria muito chato! Com relação aos obstáculos e desafios, os autores Adams e Dormans (2012) também ressaltam sua importância quando definem um jogo como sendo uma sequência de desafios interligados.

Apesar de haver conflitos, o jogo permite que o jogador experimente essas sensações de forma segura.

Nesse caso, o autor reforça o que foi afirmado no primeiro ponto sobre o jogo ter uma representação própria de espaço, um ambiente onde o jogador pode interagir sem sofrer nenhum dano na vida real. Isso permite que o jogador possa viver diversas experiências sem se submeter aos perigos que ela teria caso ocorridas no mundo real - travar batalhas com espadas pode ser um pouco desgastante para o meu gosto! Já em um jogo, o maior perigo é a raiva de perder a mesma batalha várias vezes. Isso também destaca um ponto interessante sobre os jogos: eles permitem que o jogador experimente realidades e situações que de outra forma seriam inviáveis para ele. Tudo de uma forma segura.

O maior perigo quando jogamos…

Outra definição foi dada por um cara bem elegante chamado Bernard Suits (2005), que disse: “jogos são esforços voluntários para vencer obstáculos desnecessários”.

WOW! Essa deu até um nó na minha cabeça!

O que é importante nessa frase confusa é: jogos são atividades realizadas de forma voluntária! A pessoa joga porque quer, porque gosta de jogar. Não porque é obrigada a fazer isso. Esse elemento é muito importante e é ressaltado também nas definições apresentadas por diversos autores, como Jane McGonigal, Roger Callois e Brian Sutton-Smith. Bem, talvez os autores de Jogos Mortais ou de Jogos Vorazes discordem um pouco!

Vamos jogar um jogo…

Uma definição bem enxuta é a de Jesse Schell (2014). Ele afirma que jogos são atividades de resolução de problemas abordadas com uma atitude divertida. A palavra-chave aqui é diversão: no fim do dia, um jogo deveria ser divertido!

Para fechar a nossa caravana de definições, a do autor Greg Costikyan (1994) diz que jogos são uma forma de arte em que os participantes tomam decisões em busca de atingir um objetivo final. Ei, mas o que foi que ele falou de novidade? Ele destacou que jogos são uma forma de arte, logo estão ligados com elementos culturais que definem a nossa sociedade. E, assim como outras formas de arte, podem ser utilizados para muito mais do que mero entretenimento. Mas deixemos essa discussão para as próximas aulas!

Ufa, muitas definições! Vamos montar uma lista dos principais destaques estudados nas definições?

Um jogo:

  • Tem um conjunto de regras que o define.
  • Tem objetivos a serem alcançados.
  • Tem conflitos para serem superados.
  • Possui um espaço próprio.
  • Permite a interação do jogador.
  • Possue uma imprevisibilidade quanto ao resultado.
  • É uma representação segura de ambientes ou situações do mundo real.
  • É uma atividade voluntária, livre.
  • É uma atividade divertida.

Vou arriscar aqui uma definição com base nesses elementos que foram apresentados: um jogo é uma atividade divertida e voluntária, pela qual um jogador busca alcançar um ou mais objetivos de acordo com regras estabelecidas, sem garantia de sucesso, superando desafios e interagindo com um mundo virtual ou imaginário.

Ei, chega fiquei orgulhoso! Essa definição ficou perfeita, não foi?

A verdade é que não. Não existe uma definição perfeita para o que é um jogo. O importante mesmo é conhecermos essas características elencadas e sabermos identificá-las em um jogo, seja ele digital ou não.

Mas chega de filosofia por hoje. Vamos agora estudar um pouco de história!

Versão 5.3 - Todos os Direitos reservados