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arrow_back Aula 05 - Jogos Sérios

1 - Edutainment: como tudo começou

Professor, a aula já começou com um nome feio? Edutainment? O que é isso?

O termo Edutainment foi criado pela junção de dois termos em inglês: Education + Entertainment, que seria o equivalente a Educação e Entretenimento. Esse termo foi usado para denominar um movimento, muito forte nos anos 1980 e 1990, de criar novos meios de ensino com o objetivo de tornar o processo divertido. A partir desse movimento foram criados vários programas de televisão e rádio com focos educativos, que abordavam temas importantes trabalhados de forma lúdica para manter o interesse das crianças (e de alguns adultos também, por sinal) e fazer com que elas se motivassem em aprender o assunto. Por isso que você cresceu assistindo Time Umizoomi tendo que completar sequências geométricas para salvar o dia. E nem me venha com Charlie e os seus números...

Um dos desenhos com foco educativo, o Time Umizoomi utiliza o poder da matemática para se livrar das maiores encrencas! Um exemplo de proposta do <span class='italico'>Edutainement</span>.

Mas por que você está falando de Edutainment, professor? Porque os jogos foram uma das plataformas escolhidas para apresentar esses conteúdos de forma diferente para as pessoas. E os motivos são históricos! Jogos são utilizados como método de ensino desde os tempos antigos, quando o Xadrez e o Go eram usados para ensinar estratégias militares a generais e reis. Mas foi a partir de alguns estudos acadêmicos que o potencial dos jogos como ferramentas de aprendizado ficou cada vez mais evidente.

Um dos primeiros estudiosos que evidenciou o potencial dos jogos na vida das pessoas como algo maior do que uma mera ferramenta de entretenimento foi Johan Huizinga. Em seu estudo Homo Ludens evidenciou que os jogos e o ato de engajar em brincadeiras é um fator essencial e catalisador do desenvolvimento cultural de uma civilização, inclusive como forma de transmitir valores e ideias que permeiam o convívio social e ideológico. (HUIZINGA, 1971) A partir desse ponto, muito se estudou sobre o potencial dos jogos como ferramentas de suporte ao ensino e treinamento de pessoas.

Outro autor que apresenta a forte ligação dos jogos com as teorias de aprendizado é o James Paul Gee. Em seu livro “What videogames have to teach us about learning and literacy”, Gee (2014) mostra como os jogos são ferramentas propícias para o desenvolvimento de uma atitude proativa de aprendizado nos jogadores já que, para poder jogar, é necessário aprender como jogar. Isso não se refere apenas aos comandos que são necessários para mover um boneco na tela, aprender a jogar significa entender às consequências das ações no jogo, entender como os elementos do mundo virtual podem ser explorados, combinados e manipulados para se alcançar objetivos específicos. Entender como são os personagens que habitam aquele mundo e qual a maneira adequada de tratá-los (nem todo jogo se baseia simplesmente em destruir tudo o que aparece!).

O que o autor evidencia é que, para se dominar um jogo, é necessário aprender e se tornar fluente em seu domínio semiótico.

Sim, esta é a aula dos nomes bonitos.

Um domínio semiótico nada mais é do que um conjunto de símbolos e significados associados a ele. Vamos a um exemplo, imagine o domínio semiótico do futebol. Se eu chegar para você e disser: - Neymar deu um sensacional drible da vaca! O que você entenderia?

Se você conhece futebol, drible da vaca faz sentido para você. Ele toca a bola por um lado, corre pelo outro, e recupera a bola depois de passar pelo adversário. Algo assim:

Drible da vaca, by Neymar.

Mas…e se você não entendesse nada de futebol? O que seria drible da vaca para você?

Talvez isto aqui?

Drible da vaca, by Mimosa.

O que acontece é que, como você não conhece o domínio semiótico do futebol, uma expressão desse domínio não faz sentido. Se você aprende o que significa, então ela começa a fazer mais sentido, e você passa a ter um senso crítico maior sobre o futebol do que antes. Talvez você comece até a gostar de assistir às partidas e consiga avaliar criticamente o que está acontecendo no campo: quais jogadas estão sendo feitas, quais esquemas táticos estão sendo utilizados, qual time está com melhor volume de jogo, etc. Tudo isso é relacionado com o quanto você consegue compreender e se expressar utilizando símbolos e expressões do mundo do futebol.

Na verdade, quando estudamos na escola, estamos fazendo justamente isto: aprendendo expressões e símbolos de vários domínios da ciência! As expressões matemáticas, os termos da biologia e as fórmulas da física, todos eles constituem ferramentas para que possamos nos expressar dentro de cada domínio científico. E quanto mais aprendemos sobre eles, mais conseguimos entender conceitos complexos. E esse é o mesmo processo que acontece quando jogamos!

Vamos a um exemplo dos jogos agora: em Mario Kart, temos vários itens que podem nos ajudar (ou não) a vencer as corridas: cascos verdes, cascos vermelhos, o famigerado casco azul, bombas, fantasmas, bananas, cogumelos… é uma infinidade! À medida que você vai jogando, cada item desse vai ganhando um significado especial para você, assim, o casco vermelho funciona de forma teleguiada, perseguindo o oponente diretamente na sua frente, enquanto o casco verde apenas segue uma linha reta de onde você atirou. A banana, por sua vez, é jogada para trás e afeta algum adversário que está lhe perseguindo, enquanto o casco azul sempre persegue o personagem que estiver em primeiro lugar na corrida.

Quando se aprende o que cada item faz uma mudança ocorre no jogador, pois conhecendo os efeitos do uso de um objeto, ele muda a sua estratégia de corrida de acordo com o item que possui. Se estiver com uma banana, ele espera para colocá-la em uma passagem estreita ou quando um adversário estiver próximo de ultrapassá-lo. A banana pode até servir como um escudo para objetos que atacam por trás! Essa experimentação e descoberta das várias formas que um item pode ser utilizado constituem um processo de aprendizado dentro do jogo, em que o jogador passa a experimentar e testar várias estratégias, descobrindo como os elementos interagem entre si e melhorando cada vez mais as suas habilidades para vencer as corridas.

Esse casco azul vai fazer um estrago….

A conexão que Gee (2014) faz com os jogos e o processo de aprendizado é justamente essa, seja o estudo escolar, jogar um jogo, desenvolver um hobby ou estudar algo por conta própria, estamos desenvolvendo nossas habilidades em uma área de conhecimento (mesmo que não seja uma matéria escolar clássica). O problema é que, na escola, muitas vezes isso é feito de forma passiva, sem muita participação do aluno. A famosa “decoreba” para passar na prova, embora muitas vezes efetiva no curto prazo, não representa um verdadeiro aprendizado. Ou seja, passada a prova, o aluno não consegue mais se expressar ou entender o que fez, porque o conhecimento não foi efetivamente incorporado por ele.

NOTA: Pare de decorar esse material! Leia e reflita!

Para Gee (2014), o aprendizado verdadeiro se dá quando, além de “decorar” os símbolos da área de conhecimento, as pessoas são capazes de aplicá-los em situações reais, de identificá-los em situações diferentes das apresentadas em sala e de manipular e modificar esses símbolos para identificar novos conceitos dentro da área. Os jogos possuem características inerentes que facilitam esse processo:

  • Em um jogo é possível arriscar mais, já que não há tanto prejuízo para o jogador como na vida real. No máximo volta para o começo da fase ou perde uma pontuação.
  • A falha nos jogos não significa necessariamente um fracasso, mas uma chance de aprender e tentar novamente.
  • O esforço no jogo é devidamente compensado, sendo às vezes um feedback rápido e instantâneo, isso faz com que o jogador continue “ligado” no jogo.
  • O jogador pode perceber de maneira fácil se está evoluindo ou não no jogo, e normalmente recebe indicativos do que precisa fazer ou obter para conseguir progredir.

É importante perceber que essa liberdade não é exclusiva dos jogos. Aulas práticas em laboratório de ciências, por exemplo, também são uma ótima forma de se observar essas características e esse estilo de aprendizado. O aluno está vendo na prática o que está acontecendo, pode interferir no experimento para ver o que acontece (de preferência, sem explodir nenhum equipamento) e pode manipular os equipamentos ou objetos para observar como os resultados mudam. Uma pena que essas aulas não são a regra, mas os casos excepcionais!

Aulas práticas são tão divertidas quanto jogos! Veja só a alegria do menino atirando e aprendendo sobre física ao mesmo tempo!

Então, com todo o potencial dos jogos para o aprendizado, é claro que o movimento do Edutainement contou com a produção de vários jogos educativos. Os jogos eram produzidos majoritariamente por pessoas com conhecimento na área que se desejava ensinar, e no começo eles foram um verdadeiro… fracasso. O problema é que eles focaram tanto em preparar os jogos com conteúdo, que esqueceram de fazer os jogos divertidos!

Nessa época (final dos anos 1980 e início dos anos 1990), criou-se um estigma sobre os jogos educativos, sendo automaticamente taxados como jogos chatos, o que causou uma forte restrição com o público. Percebeu-se, então, que não bastava o jogo possuir o conteúdo: ou ele engajava os jogadores através da diversão, ou o conteúdo nunca seria visto. A partir desse ponto, especialistas da área de jogos foram integrados, principalmente na parte de design (falaremos mais sobre esses caras na próxima aula!), para que os jogos pudessem ser construídos com base tanto na diversão e nas técnicas tradicionais dos jogos, como nos conteúdos.

E isso nos leva aos jogos sérios que temos hoje: jogos que são produzidos no mesmo padrão de jogos de entretenimento, porém com outro objetivo além da diversão. No entanto, a atuação dos jogos sérios não se restringe apenas à educação. Vamos conhecer quais são os tipos existentes de jogos sérios?

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