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arrow_back Aula 08 - Narrativa e Design de Níveis

4 - Estruturando um nível

Agora que eu já sei o que levar em consideração ao construir meus níveis, o que preciso para começar a criar a estrutura e esboçá-los?

O primeiro passo é decidir qual tipo de navegação e estrutura espacial o nível apresentará. A primeira decisão é com relação à linearidade, ou seja, o quanto de liberdade de navegação o jogador terá. Um nível linear tende a ter uma estrutura mais amarrada, como um beco ou corredor, tendo apenas um fluxo correto a ser seguido. Ele pode ser feito com alguns desvios para dar uma ilusão de liberdade de movimento ao jogador, mas no final possui um caminho definido a ser trilhado.

Em <span class='italico'>Sonic</span>, o percurso do jogador é linear, existindo poucas opções de caminhos a seguir para chegar ao final do nível. <br> <span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Sonic</span>

Por outro lado, um nível não-linear dá mais liberdade ao jogador. Existem diversas rotas para se chegar ao final da fase, e fica a cargo do jogador a decisão de qual será percorrida. Como a estrutura é mais ampla, existe uma maior complexidade na gestão dos estados dos elementos, missões e eventos do jogo. A construção de espaços nesse modelo assemelha-se à composição de ilhas: vários espaços onde o jogador pode explorar livremente, além de transitar de uma área para a outra. Atualmente é comum a construção de jogos no modelo de mundo aberto ou sandbox. Nesses jogos, cria-se a ilusão de que toda a ação se passa em um grande nível (que na verdade é composto de várias regiões menores), e o jogador pode navegar à vontade entre elas, existindo pouca restrição.

Em <span class='italico'>The Witcher 3</span>, o jogador possui total liberdade de como vai explorar o mundo, pois não há muitas restrições de lugares onde possa andar (salvo locais especiais ativados por missões). <br>
	<span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>The Wicther 3: The Wild Hunt</span>

Porém, às vezes é necessário que se impeça o acesso de jogadores a algumas áreas: pode ser devido à presença de adversários muito fortes, de acordo com a necessidade de completar tarefas ou coletar itens específicos. Nesse caso devem-se usar mecânicas de barreiras para impedir o avanço do jogador, lembrando sempre de utilizar bloqueios que façam sentido dentro do cenário do jogo (nada de colocar uma pedra gigante bloqueando uma porta de uma casa no meio da cidade. A não ser que isso faça muito sentido).

É importante a existência de ferramentas que auxiliem a navegação do jogador, principalmente em níveis não-lineares. Um dos recursos mais populares é a inclusão de um mapa detalhado do nível, com uma versão menor (minimapa) que revela a localização do jogador e suas proximidades. Dessa forma, o jogador tem uma visão macro do ambiente como um todo, e uma visão micro apenas de sua vizinhança. Esse mapa pode ainda ser incrementado com um elemento de bússola, o qual aponta para o objetivo atual que o jogador deve alcançar, deixando a navegação ainda mais objetiva.

Além disso, existem jogos que tentam se aproveitar das vantagens dos dois tipos de modelo: o jogo contém algumas áreas onde a exploração pode ser feita com liberdade (como em níveis não-lineares), porém essas áreas são ligadas por espaços de navegação restritos e direcionados para fazer o jogador avançar no nível do jogo (como em níveis lineares). Essa abordagem mista pode ser chamada de Choke Points ou gargalos.

Alguns exemplos de mapas que usam uma abordagem mista de navegação. Em (a), um mapa com formato mais linear, porém permite mais de uma rota para o jogador. Em (b), temos um mapa não-linear, mas que usa mecânicas de barreiras e portais para limitar a navegação do jogador, tornando-o praticamente linear. <br> <span class='strong'>Jogos</span>: a) <span class='italico'>Jade Empire</span> b) <span class='italico'>Gone Home</span>

Uma decisão que se deve tomar com relação à navegação é a possibilidade de ocorrer backtracking: o jogador poder voltar a áreas por onde já passou. Em jogos lineares esse tipo de estratégia tem menos vantagens, servindo mais para permitir ao jogador retornar para coletar um item perdido ou realizar uma interação que passou despercebida. Já em jogos não-lineares, o backtracking permite que o jogador retorne e tome uma rota diferente da realizada anteriormente, podendo explorar mais partes do mundo virtual. Deve-se tomar um cuidado especial quando o backtracking é forçado pelo jogo (devido à narrativa ou a um quebra-cabeça), pois fazer com que o jogador ande repetidas vezes pelo mesmo trecho da fase sem oferecer alguma novidade pode se tornar entediante rapidamente.

Além do espaço físico, outro aspecto importante é o tempo, ou melhor, a duração do nível. Níveis muito longos, que demoram várias horas para terminar, podem se tornar proibitivos para jogadores que não dispõem de sessões muito longas de jogo no seu dia a dia. É importante que a equipe de design leve em conta seu público-alvo ao tomar essa decisão: dependendo do seu mercado, as sessões de jogo devem permitir que o jogador consiga realizar pelo menos uma tarefa a cada partida, de forma que ele sempre tenha a sensação de que conseguiu transformar o mundo do jogo ou que conquistou alguma coisa. Se o jogador passa todo o seu tempo jogando e não consegue realizar nada, ele pode ficar com um sentimento de impotência e frustração. Por isso a duração de um nível é uma decisão crucial da equipe de design, e deve ser algo bem balanceado através de testes com jogadores.

Ao se construir níveis com muitos caminhos ou desvios, deve-se atentar ao fato de que, em todos eles, algo deve acontecer. Um caminho que não gera nenhum tipo de interação para o jogador, fazendo com que ele apenas o atravesse é um caminho bem chato! Isso é especialmente importante quando se constrói um nível linear com bifurcações que acabam em becos sem saída. Por via de regra, faça todos os caminhos do seu jogo ter algum tipo de recompensa ou desafio para o jogador, mesmo que pequeno. Isso pode incentivar novas sessões de jogo devido à curiosidade (o que será que tinha naquele outro caminho que eu não visitei?).

Em alguns níveis lineares, são adicionados caminhos curtos ou bifurcações para aumentar a sensação de escolha do jogador. Embora não levem ao final do nível, é interessante que não sejam apenas espaços vazios, mas proporcionem algum tipo de diversão ao jogador. <br>
	<span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Dungeon of the Endless</span>

E por falar em caminhar pelo nível, uma boa prática que se adota em jogos com mapas muito grandes é a viagem rápida (fast travel): a capacidade de o jogador pular direto para algumas localizações específicas do mapa, sem precisar percorrer todo o caminho até lá. Isso é vital em jogos nos quais é necessário visitar determinados locais repetidas vezes. Imagine um jogo de RPG em que todas as missões são recebidas em um castelo no centro do mapa, e toda vez que uma missão é concluída o jogador deve obrigatoriamente realizar a viagem de volta para o castelo e prestar um relatório de suas ações. Após a terceira missão, o jogador já estaria de “saco cheio” de tanto ir e vir. Por isso, se ao terminar a missão o jogador puder “pular” essa viagem, melhor!

Com essas definições de como será o nível, você já pode começar a rascunhar um! Embora o assunto “motores de jogos” não seja apresentado agora, apenas nas disciplinas posteriores do curso (e nos motores vocês terão condições de fazer protótipos e níveis à vontade), existem diversas ferramentas com as quais vocês podem experimentar e brincar um pouquinho de montar fases ou mapas.

A primeira e mais importante é aquela que vocês nunca vão deixar de usar: papel e caneta. (Sério! Parem de rir). Tudo bem, pode ser que vocês deixem de usar papel e caneta e usem uma mesa digitalizadora ou aplicativo de desenho no tablet, mas vocês entenderam a ideia! O rascunho de um nível à mão pode ser um bom primeiro passo para organizar as ideias antes de “cair de cara” na ferramenta. E pode ser algo feito rapidamente durante uma reunião de brainstorm, para transmitir uma ideia de forma mais clara para os outros integrantes da equipe.

Aqui, um rascunho do nível ilustrado na apresentação, com todo meu talento artístico envolvido. Notem que além dos desenhos magníficos, também existem várias notas, para auxiliar na interpretação da figura. Praticamente um puzzle de criptografia.

Outras ferramentas acessíveis são editores de mapas/níveis presentes em alguns jogos: apesar de o conteúdo criado ser restrito a um jogo específico, já é uma boa prática construir mapas e níveis para um jogo que vocês tiveram a oportunidade de jogar e conhecem bem os elementos que compõem a jogabilidade. Um exercício melhor ainda é tentar replicar e modificar a estrutura de um nível que vocês consideraram “chato” ou desbalanceado: além de exercitar a construção de níveis, também podem melhorar a capacidade de análise crítica do design do jogo. Age of Empires, Halo e Gran Turismo 5 possuem editores embutidos nos próprios jogos, enquanto outros usam ferramentas específicas: Aurora Toolset (Neverwinter Nights, The Witcher), Creation Kit & Elder Scrolls Construction Set (Skyrim, Morrowind) e Hammer (Left for Dead 2, Portal) são alguns exemplos desse tipo de ferramenta.

Por fim, existem ferramentas que permitem uma construção mais livre de cenários, baseado em imagens construídas pelo próprio usuário ou coletadas em acervos online. A ferramenta Tiled (http://www.mapeditor.org/) permite que o usuário desenvolva vários tipos de mapas como um conjunto de células. Na seção de leitura complementar está um link para a documentação oficial da ferramenta, vale a pena conferir!

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