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arrow_back Aula 04 - Mecânicas de jogos II

Mais tipos de mecânicas

Completando a nossa taxonomia, apresentaremos mais quatro tipos de mecânicas que são essenciais na construção dos nossos jogos. É importante ressaltar que não são apenas as mecânicas isoladas que definem o jogo, mas sim as formas como elas interagem entre si. E sem mais delongas, hora de entrarmos em ação!

Ações

Talvez as mecânicas mais importantes do ponto de vista do jogador, as ações são normalmente conhecidas como os verbos do jogo: são as mecânicas que definem o que o jogador será capaz de realizar!

As ações podem ser divididas em dois tipos principais: operacionais e resultantes. As operacionais são aquelas que o jogador pode realizar de forma direta, utilizando o controle para enviar comandos ao jogo. Quando ele aperta um botão, o personagem pula; quando ele aperta uma tecla da guitarra, uma nota é executada; quando ele move o manche analógico, o personagem se move. As ações operacionais são a base para a construção da jogabilidade.

Além das ações operacionais, existe outro tipo denominada ação resultante. Esta não é executada diretamente pelo jogador através do controle, é o resultado da combinação de várias ações operacionais ou da execução de uma ação operacional em um contexto específico. As ações resultantes podem ser entendidas como as estratégias que traçamos usando as ações operacionais.

Em um jogo como <span class='italico'>Bomberman</span>, temos a ação operacional de colocar uma bomba no chão. Quando colocamos a bomba em uma posição estratégica (seja para quebrar uma parede ou derrotar um inimigo), então temos uma ação resultante.

Essas ações podem ser combinadas entre si para gerar ações mais complexas, por exemplo, duas ações de pulo podem ser executadas em sequência para permitir que o personagem execute um salto duplo, conseguindo atingir lugares mais altos da tela. Em jogos de luta, é comum que os golpes sejam mapeados a um conjunto de ações complexas, que envolvem a execução de vários movimentos no direcional e nos botões do controle.

Algumas ações exigem uma sequência mais complexa de controles para serem executadas.<br><span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Street Fighter Alpha 3</span>.

Que tal um exemplo para tentar clarear os dois tipos de ações? No jogo de xadrez, as ações operacionais correspondem ao movimento das peças (torre anda em padrão de cruz, o cavalo anda em padrão de L) e a captura de peças (mover uma peça para uma posição ocupada por uma peça adversária). Quando o jogador quer executar uma movimentação, basta apenas seguir a regra específica de cada peça. E o que acontece quando o jogador move sua peça para uma casa na qual coloca o adversário em xeque? Ou se ele move uma peça para sacrificá-la de modo a criar uma armadilha para o adversário? Assim, temos ações resultantes atreladas ao movimento da peça: quando executamos a ação operacional, estamos traçando uma estratégia que nos leve à vitória do jogo, e essas são nossas ações resultantes. Logo, quando falamos “mover a peça” e “capturar uma peça”, estamos nos referindo a ações diretas sobre o estado do jogo.

Por outro lado, “colocar o adversário em xeque” ou “fazer a abertura Gambito Nórdico”, estamos falando de ações estratégicas que executaremos através das ações diretas do jogo. Essa é a diferença entre ações operacionais e ações resultantes (das operacionais, captou?). O xadrez é um ótimo exemplo de jogo, pois com poucas ações operacionais conseguimos criar um número praticamente infinito de ações resultantes!

O jogo de xadrez é construído através das estratégias resultantes a partir das ações e posições no tabuleiro. Na figura acima, a jogada seguinte é um exemplo de cheque estratégico: o jogador branco move o bispo para a posição C8; O jogador preto fica em cheque pela torre na posição G5 e deve se movimentar para evitar a derrota. Dessa forma, o jogador branco consegue capturar a Rainha adversária (B7), uma das peças mais versáteis, e enfraquecer o jogador preto. Com suas movimentações (ações operacionais), o jogador branco tirou qualquer possibilidade do jogador preto de reagir à sua jogada e salvar sua rainha (ação resultante).

Um outro exemplo também pode ser visto em jogos de corrida. As ações operacionais de controle do carro são simples: acelerar, frear e movimentar o carro para os lados. Quando na liderança da corrida, o jogador pode posicionar o carro de forma a impedir a ultrapassagem do adversário e manter sua posição. Essa manobra de “trancar” é uma ação resultante do jogo, pois através das ações operacionais eu executo uma estratégia a qual impede o adversário de conseguir minha posição, permitindo que eu continue na liderança e eventualmente vença a corrida.

Essa combinação de ações operacionais e ações resultantes é essencial para gerar uma jogabilidade interessante para o jogo, à medida que as ações executadas permitem ao jogador a realização de diversas tarefas diferentes, aumenta o número de interações e atividades que o jogador pode realizar dentro do jogo. A esse conjunto de possibilidades não diretamente codificadas no jogo, mas que advém de forma natural das interações do jogador, denominamos jogabilidade emergente.

A jogabilidade emergente permite que o jogador possa traçar diversas estratégias para atacar um mesmo problema dentro do jogo, e essa pluralidade de soluções é interessante porque comporta diferentes abordagens para vencer o jogo ou impactar no resultado da narrativa contada. Em Mario, o jogador pode saltar sobre os adversários para pegar impulso e alcançar locais antes inacessíveis por vias normais. Em Megaman, o jogador pode executar saltos seguidos como forma de escalar paredes. Um jogo que explora bem o potencial de ações resultantes é Portal: com uma mecânica simples de abertura de portais a qual cria conexões entre pontos da sala, o jogador consegue resolver de diferentes maneiras puzzles, os quais ficam gradualmente mais complicados.

No jogo <span class='italico'>Shadows of Mordor</span>, existem várias ações disponíveis ao lutar contra os Capitães (subchefes do jogo): você pode eliminá-los, interrogá-los para obter informações, mandar ameaças para outros capitães ou ainda deixá-los fugir. A escolha da ação tomada tem um efeito direto no jogo, ocorrendo mudança nas hierarquias de poder dos adversários e nas missões disponíveis para o jogador. Nesse caso, a jogabilidade emergente é planejada dentro do jogo.<br><span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Shadows of Mordor</span>

Muitas vezes a jogabilidade emergente permite que o jogador consiga fazer coisas que nem foram previstas pelos desenvolvedores do jogo! Em Quake (e posteriormente em vários jogos FPS) existia uma tática de movimentação conhecida como “Rocket Jump”: o jogador dava um tiro no chão com a bazuca e a explosão fazia com que o jogador conseguisse pular mais alto. Isso acontece porque os desenvolvedores simularam a física da explosão para ter um grande impacto no alvo, e ao atirar no chão o jogador era lançado a alturas que os saltos normais não possibilitavam.

Isso também permitia aos jogadores trilharem caminhos totalmente diferentes dos pensados pelos designers do jogo! Esse tipo de jogabilidade não planejada costuma vir de “defeitos” ou casos não testados do jogo que, embora não sejam um erro de execução da aplicação, não foram percebidos pelos desenvolvedores.

A jogabilidade emergente pode ser criada de forma acidental. Na animação acima, o exemplo do <span class='italico'>Rocket Jump</span> citado no texto, em uma modificação do jogo <span class='italico'>Half-Life 2</span>. Esse é um caso de jogabilidade emergente não planejada.<br><span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Half-Life 2</span>

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