O Conceito de Narrativa

O início de um pensamento mais coeso na definição dos princípios da narrativa reside nos escritos de Aristóteles, filósofo grego, nascido no ano 384 a.C., que pela primeira vez estabeleceu, em sua obra Arte Poética, ou simplesmente Poética, a estrutura clássica da narrativa, por ele definida como “um todo, que possui certa extensão”:

Aristóteles.

Todo é o que tem princípio, meio e fim. O princípio não vem depois de coisa alguma necessariamente; é aquilo após o qual é natural haver ou produzir-se outra coisa; O fim é o contrário: produz-se depois de outra coisa, quer necessariamente, quer segundo o curso ordinário, mas depois dele nada mais ocorre. O meio é o que vem depois de uma coisa e é seguido de outra. (ARISTÓTELES, 2009).

Embora nos pareça óbvio nos tempos atuais, que qualquer obra tenha um começo, um meio e um fim, especificamente nessa ordem, o fato de Aristóteles apontar tal estrutura foi crucial para o entendimento da condução narrativa, diferenciando-a de uma simples acumulação de acontecimentos.

De fato, o filósofo vai além, ao identificar que “para que as fábulas sejam bem-compostas, é preciso que não comecem nem acabem ao acaso, mas que sejam estabelecidas segundo as condições indicadas”. Sem a consolidação deste pensamento, dificilmente teríamos hoje obras clássicas em literatura, teatro, cinema ou quaisquer outras mídias capazes de envolver o público. Jamais teríamos as culturas decorrentes de todo o convívio social e da transformação de nosso pensamento devidamente fundamentadas como referenciais.

Foi, portanto, a partir de Aristóteles e suas concepções básicas que se estabeleceu um pensamento em torno da estrutura narrativa. Deste modo podemos criar obras em formatos e mídias distintas, capazes de encantar ou comunicar.

O filósofo francês Roland Barthes (1915-1980), cuja epígrafe apresentamos no início desta aula, esteve entre os grandes estudiosos do tema e identificou que “inumeráveis são as narrativas no mundo”. Para ele

a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas essas substâncias, está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na comédia, na pantomima, na pintura (recorde-se a Santa Úrsula de Carpaccio), no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação. (BARTHES, 1976, p. 19).

Em longa análise da estrutura narrativa a qual resumiremos aqui, Barthes identifica que este princípio nos oferece mais do que uma explanação de fatos, propondo uma imersão onírica, isto é, fazendo-nos participar de um outro mundo, emocionalmente envolvidos com o que se apresenta. Onírico é um estado relacionado ao sonho. Ao final de seu texto, o autor define que:

a narrativa não faz ver, não imita; a paixão que nos pode inflamar à leitura de um romance não é a de uma ‘visão’ (de fato, não ‘vemos’ nada), é a da significação [...] ’O que se passa’ na narrativa não é do ponto de vista referencial (real), ao pé da letra: nada; ‘o que acontece’ é a linguagem tão somente, a aventura da linguagem” (BARTHES, 1976, p. 60).

Essa abordagem menos historicista e mais poética de Barthes encontra as bases no pensamento de Aristóteles, que já observara: “não compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade” (ARISTÓTELES, 2009, p. 43). De fato, no campo conceitual da arte narrativa, Aristóteles já propunha que “é preferível escolher o impossível verossímil do que o possível inacreditável”.

Esses princípios são a base para os arcos narrativos que nos oferecem encantamento e envolvimento. O resultado dessas experiências é o que constitui elemento transformador da narrativa para o nosso entendimento do mundo e para o nosso aperfeiçoamento cultural, podendo acontecer através das mídias tradicionais ou por meio das imersões vividas no mundo virtual.

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