Nossa primeira peça

Puzzles ou quebra-cabeças são desafios que não possuem uma solução imediata, exigindo que o jogador pare e reflita em uma forma de resolvê-lo. Eles normalmente são utilizados como mecânicas para adicionar obstáculos (conflitos), os quais tornam o jogo mais interessante e demandam uma ação calculada do jogador.

Quebra-cabeças fazem parte do entretenimento humano desde tempos antigos.

Um primeiro ponto de discussão é se o quebra-cabeça constitui um jogo por si só ou é apenas um conjunto de mecânicas do jogo. Historicamente, os quebra-cabeças têm sido usados como parte de vários gêneros de jogos, principalmente nos gêneros Aventura e RPG. Nesses jogos, o quebra-cabeça constitui apenas um pedaço do jogo, dando contexto a alguns elementos da história ou servindo como um obstáculo para progressão do jogador.

Já nos jogos casuais, é comum encontrarmos exemplos que são sequências ou variações de um mesmo quebra-cabeça para resolver, nesse caso constituindo o núcleo principal da jogabilidade. Dessa forma, é aceitável pensar que os dois tipos de raciocínio estão corretos: ele pode ser considerado um jogo quando a jogabilidade principal é construída com base nele, e pode ser considerado como um subsistema de mecânicas (ou até um minijogo) quando ele fizer parte de um jogo maior sem necessariamente compor o principal elemento de jogabilidade.

Ao mesmo tempo em que ocorre divergência entre autores quando falamos de conceitos e definições, existe um ponto de acordo, pois há uma diferença de concepção no momento em que se cria um jogo e um quebra-cabeça. Jogos são construídos para serem jogados repetidas vezes com o mesmo fator de diversão para o usuário; quebra-cabeças são construídos para serem resolvidos uma única vez. Ora, se você já sabe a resposta de um quebra-cabeça, resolvê-lo novamente é apenas uma repetição de passos, sem nenhuma novidade para o jogador. A diversão ao se resolver um quebra-cabeça é descobrir os passos, o segredo ou a lógica por trás dele: uma vez resolvido, interagir com o quebra-cabeça torna-se apenas uma tarefa mecânica e repetitiva, porque não há mais o prazer da descoberta!

O autor Jesse Schell [2008] traz uma definição muito interessante de quebra-cabeça atrelada ao conceito de jogo: “um puzzle é um jogo com uma estratégia dominante”. Dizemos que um jogo tem uma estratégia dominante quando existe um caminho ou sequência de passos que, ao ser executada, implica no resultado ótimo: a vitória no jogo, da melhor forma possível. Logo, um jogo que possui uma estratégia dominante possui um jeito certo de se vencer (não é exatamente interessante para um jogo, concordam?). Para o caso dos quebra-cabeças é isto que deve acontecer: a existência de uma sequência de passos que garante a resolução do problema.

A seguir, um exemplo ajudará a ilustrar alguns dos tópicos discutidos!

Um exemplo de jogo de Sudoku.

Link para o jogo Sudoku online:

http://pt.sudokupuzzle.org/

Todos conhecem o Sudoku? Nesse jogo, você deve preencher essa matriz 9x9 com números entre 1 e 9, de forma que o mesmo número não apareça repetidamente em uma mesma linha, coluna ou dentro da submatriz 3x3 onde ele é colocado. Aqui, o desafio é adivinhar qual a posição de cada número dada uma matriz parcialmente inicializada. Esse é um caso típico de jogo em que o quebra-cabeça é a mecânica primária e define toda a sua jogabilidade. Dentro da matriz do Sudoku existe apenas um conjunto de combinações aceitáveis que resolverão o problema. Não podemos colocar soluções em que hajam números contrariando as regras do jogo, logo, existem sequências de preenchimento específicas que geram o resultado correto.

Uma característica importante de um quebra-cabeça é que deve estar claro para o jogador qual problema ele terá que resolver, qual o seu objetivo final: juntar peças para formar uma imagem; encontrar um objeto que falta para completar uma coleção; encontrar uma chave específica para uma porta. Seja qual for o desafio, o jogador precisa ter uma noção de qual é a solução final que ele deseja encontrar. Também é muito importante que esteja claro para o jogador o entendimento de como ele vai resolver o quebra-cabeça, quais são as formas de interagir e quais peças e/ou ações ele dispõe para conseguir resolver o problema.

No exemplo do Sudoku, o objetivo final é posto de forma clara para o jogador - ele deve preencher todos os números que faltam na matriz. Isso é visualmente apresentado para o jogador. As mecânicas de interação são simples: ele digita um número no espaço em branco e esse número deve obedecer às três regras básicas do jogo. Ele sabe como interagir para ir resolvendo passo a passo o problema.

Outro aspecto importante do quebra-cabeça é o senso de progressão, pois é importante que o jogador consiga entender que está chegando mais perto da solução final. No Sudoku esse feedback é direto, ele vê a matriz sendo preenchida e os espaços vazios diminuindo. Quando ele faz um movimento errado, o jogo indica que a colocação do número é inválida (evidentemente ele pode fazer vários movimentos válidos e no final ficar preso sem solução, nessa hora, só resta quebrar o computador, de raiva!). O jogo ainda pode fazer destaques visuais para deixar bem claro que o jogador não está no caminho certo, como colorir um número errado de vermelho.

O Sudoku é um exemplo clássico e direto de quebra-cabeça. Vejamos outro exemplo mais sutil que pode até passar desapercebido, mas também se refere a um quebra-cabeça:

O jogo <span class='italico'>Resident Evil</span> é repleto de quebra-cabeças para resolver, os quais permitem que o jogador progrida na narrativa e alterne momentos de ação intensa com momentos de desafios lógicos. <br> <span class='strong'>Jogo:</span> <span class='italico'>Resident Evil</span>

No jogo Resident Evil, existe uma boa dose de quebra-cabeças que são utilizados para oferecer desafios ao jogador, alternando o ritmo entre acelerado e cadenciado, de forma a permitir que o jogador se mantenha em um estado de tensão durante todo o jogo. Os quebra-cabeças também são utilizados para dar contexto à história ou criar momentos de suspense dentro do jogo. Há uma variedade de quebra-cabeças que envolvem raciocínio lógico e exigem do jogador interatividade com o ambiente.

No exemplo mostrado acima, conhecido como Bee Puzzle, o jogador precisa realizar os seguintes passos para adquirir um objeto necessário posteriormente no jogo: trocar dois itens de lugar (a abelha e a isca em forma de abelha), e ainda combinar dois itens do seu inventário (o gancho e a isca de abelha) antes de colocar o item combinado no lugar correto. Fazendo isso, o jogador consegue abrir um compartimento secreto com o item. Observe essa sequência de passos na demonstração em vídeo contida em <https://www.youtube.com/watch?v=nOTsEH1sJE0>.

A dúvida é: como o jogador sabe que deve fazer isso? O jogo orienta as ações com mensagens de texto dando dicas do que ele deve fazer ou investigar para resolver o quebra-cabeça. Quando uma interação com o objeto não tem resultado ou não é importante para o jogo, mensagens do tipo “Não há nada aqui”, “Tudo normal” ou até mesmo a ausência de resposta indica ao jogador que aquela interação a qual ele está tentando fazer não é relevante ou possível. Já nesse quebra-cabeça, a mensagem de contexto é diferente, ela não só explica para o usuário o que é o objeto com o qual interage, como também dá indícios de que ele é relevante para o progresso do jogo, exemplos: “Essa é uma coleção de insetos. Existe uma isca guardada aqui”; “Existe algo por trás desse quadro”.

E qual tipo de quebra-cabeça seria esse? Na verdade, são dois tipos, o primeiro envolve a combinação de dois itens para formar um novo (gancho e isca), e o segundo consiste em um quebra-cabeça lógico, onde o jogador deve identificar quais itens estão guardados em lugares trocados (uma isca de abelha junto a um painel de insetos, e uma abelha junto a um painel de iscas). De forma bem simples, os designers conseguiram integrar desafios de raciocínio lógico dentro de um jogo de terror, mantendo uma atmosfera de suspense que reforçam a sua temática.

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