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arrow_back Aula 07 - Balanceamento

2 – Tipos de Balanceamento III

Um terceiro aspecto interessante de se avaliar no balanceamento de um jogo é o quanto de liberdade de escolha e capacidade de afetar o desenrolar da história estão efetivamente na mão do jogador. Dizemos que uma escolha dentro do jogo é significativa quando ela tem um impacto na jogabilidade, na estratégia ou até mesmo na narrativa do jogo. Ou seja, o jogador deve tomar uma decisão a qual pode ser irreversível e isso afetará o resultado da partida. Já dizia tio Ben: grandes poderes trazem grandes responsabilidades.

Vamos pegar o xadrez (de novo) como exemplo: qual peça movimentar é uma escolha significativa. A cada momento, a escolha da peça, da posição e de qual peça capturar define um novo estado no tabuleiro do jogo e delimita um caminho pelo qual o jogo progredirá, e esse caminho poderia ser totalmente diferente caso o jogador tivesse executado outro movimento. Simples como a teoria do caos.

E qual o cuidado que devemos ter quando estamos colocando escolhas e opções para o jogador? Bom, lembra da estratégia dominante? Às vezes nós achamos que estamos colocando escolhas no nosso jogo, mas sem perceber, existe uma sequência ótima de decisões que passa despercebida por nós, mas não pelo jogador. Se existe uma sequência determinada de decisões que garante a vitória, é bem provável que o jogador sempre escolha esse caminho.

E qual o problema, ele não está escolhendo?

Não, na verdade não está! Ele está meramente calculando o que é melhor para ele: não existe nenhum tipo de ponderação sobre as consequências da escolha. Um detalhe muito importante para definir se a escolha é significativa para o jogador é quando existe algum risco envolvido: mudar a narrativa de um jogo, possibilidade de perder energia (ou vidas), possibilidade de ficar sem um recurso importante. Normalmente, escolhas significativas apresentam uma estrutura de risco e recompensa explícita para o jogador.

Imagine um jogo de plataforma como Mario, em que existe um item de vida, o qual dá mais uma tentativa ao jogador caso ele seja derrotado na fase. Esse item está localizado em um local de difícil acesso no mapa: um chão de gelo, que termina em um poço de espinhos, com lâminas giratórias circulando por perto! Com certeza é arriscado ir tentar pegar esse item. Mas é a chance de o jogador ter uma sessão de jogo prolongada, ou essa tentativa a mais para as fases mais difíceis do jogo, será que não vale a pena? Ir pegar o item é uma decisão do jogador, e vai envolver o quão habilidoso ele acha que é para conseguir chegar até o item sem ser pego pelas armadilhas, e o quanto aquele item é ou não valioso para ele. Uma escolha significativa! Essa situação é diferente de, por exemplo, o item que está simplesmente largado em uma plataforma alta, sem nenhum tipo de adversidade. Não há escolha: o jogador simplesmente pegará o item e pronto, porque é o melhor para ele.

Na imagem, uma ilustração de uma decisão difícil: o item com o P desenhado faz com que apareçam moedas na tela que, ao serem coletadas, dão uma vida extra ao Mario. Só que, para ativar o item, o Mario tem que enfrentar um caminho espinhoso.<br>
	<span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Super Mario World</span>

Ok! Já deu para entender o que é uma escolha significativa. Mas e aí, o que se deve balancear quando falamos desse tipo de decisão? Primeiro o óbvio: quantas escolhas significativas o jogo terá! Você pode pensar que quanto mais o jogo tiver, melhor, mais decisões o jogador poderá fazer e mais ele vai se sentir no controle do jogo, mas isso não é necessariamente verdade. Caso o número de escolhas seja muito grande, o jogador pode se sentir sobrecarregado ou desnorteado, sem saber o que fazer ou decidir. O ideal é nunca ofertar muito mais escolhas do que objetivos dentro do jogo. Se o jogador tem uma missão, que ele tenha uma ou duas escolhas relacionadas àquela missão, por exemplo, não trezentas.

Outro aspecto importante é o quanto de informação o jogador terá para tomar a sua decisão. Caso o jogador tenha uma informação completa ou perfeita do estado do jogo, dificilmente ele terá que ponderar qual o caminho a ser tomado: ele tem todos os dados que precisa para determinar qual o melhor caminho, e a escolha perde seu caráter de dúvida e vira um cálculo certo do que se deve fazer. Normalmente, os jogos costumam trabalhar com informações incompletas, para que o jogador tome uma decisão a partir do que consegue deduzir ou intuir do jogo, mas sem ter 100% de certeza sobre o resultado.

Essa ocultação de informação pode ser direta, como é o caso da neblina de guerra em jogos de estratégia (o jogador não consegue ver o mapa todo e deve tentar intuir onde estão os adversários e recursos), ou indireta, como no xadrez (nada impede que o jogador tente calcular todas as sequências de jogadas possíveis, a não ser o número praticamente infinito de possíveis jogadas).

Decidir o que fazer em (a) é mais fácil do que decidir o que fazer em (b)<br>
		<span class='strong'>Jogos</span>: a) Jogo da velha b) <span class='italico'>Starcraft</span>

Um cuidado que se deve ter ao passar feedback ao jogador é não ocultar informações estritamente necessárias para o processo de tomada de decisão. Isso pode levar a um sentimento de paranoia por parte do jogador, que passa a achar que o jogo conspira para o seu insucesso e deixa de confiar no feedback provido pelo sistema. Nesse caso, a imersão do jogador logo é quebrada (e consequentemente, sua diversão). Outro problema é que a falta de informação para o jogador pode torná-lo um morto-vivo: o jogador não tem mais condições de vencer o jogo, mas como não recebeu nenhum tipo de notificação sobre isso, ele continua jogando. Esse tipo de problema é comum em jogos de RPG cujo sistema de missões (quests) é quebrado por problemas de implementação, deixando o jogador incapacitado de terminar uma missão devido a eventos que ocorreram no jogo, mas não notificando que a missão falhou. O jogador fica eternamente tentando completar a quest, até eventualmente desistir e ir jogar outra coisa.

Um outro tipo de balanceamento referente às ações e decisões do jogador é o quanto elas são determinísticas ou não. Uma ação determinística sempre tem o mesmo resultado quando executada. Se o jogador aperta um botão de pulo, o personagem sempre se desloca por uma distância X e uma altura Y, por exemplo. Ações não-determinísticas costumam implementar um elemento de aleatoriedade na sua execução: o resultado da ação depende não apenas do comando do jogador, mas também de uma taxa probabilística de sucesso. Exemplos desse tipo de ação são os movimentos em jogos de simulação desportiva (arremesso de basquete, em que a chance de acertar depende da marcação, da habilidade do personagem, da habilidade do jogador e de um pouquinho de sorte) ou em jogos de RPG com sistemas de combate baseados em simulação de rolagem de dados (o personagem possui um ataque, mas é sorteado um número para determinar se o ataque foi bem-sucedido ou não, e o quanto de dano ele infligirá).

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