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arrow_back Aula 07 - Balanceamento

2 – Tipos de Balanceamento I

São muitos os aspectos que devemos levar em consideração quando analisamos se o nosso jogo está balanceado ou não. Porém, todos esses aspectos impactam em um fator específico: a jogabilidade.

Quando dizemos que “um jogo não tem uma boa jogabilidade”, intuímos que existe algo entre seus elementos quebrando a harmonia e dificultando a interação com o jogo, uma fonte provável de desbalanceamento a qual precisa de ajustes. Esse é um primeiro indicador da necessidade de realizar alterações no nosso jogo. E já fica o aviso: é muito importante ser flexível nesse momento. Por mais legal que uma mecânica seja, se ela quebra o seu jogo, é melhor se livrar dela! E às vezes essa é a única alternativa.

Um aspecto a ser considerado no balanceamento refere-se a recursos e ações disponíveis para o jogador, um fator diretamente ligado ao tipo de jogabilidade implementado. Nesse sentido, existe uma diferença quando estamos trabalhando com jogos simétricos e assimétricos (lembra da aula sobre elementos dos jogos? Não? Dá uma espiada rápida que eu espero aqui!).

Jogos simétricos são naturalmente mais fáceis de balancear, já que todos os jogadores devem ter condições similares de recursos e ações ao longo do jogo. Jogos como xadrez ou esportes são exemplos naturais de jogos simétricos. Nesse tipo de jogo, o elemento diferencial entre os jogadores é o nível de habilidade individual, e não há muito que o jogo possa fazer para compensar isso (embora muitos achem vantajoso ter o movimento inicial, o qual seria uma forma de desbalancear um jogo simétrico). Para um jogo simétrico estar balanceado, deve-se garantir que não haja uma forma de um dos jogadores obter uma condição inicial mais vantajosa do que o outro, e que não exista uma estratégia na qual o movimento inicial garante uma vitória certa para o jogador.

Em um jogo simétrico, os recursos são iguais para todos os jogadores, e a diferença se dá no nível de habilidade de cada um. <br> <span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Pacman</span>

Por outro lado, cada vez mais comuns, os jogos assimétricos levam em conta o mantra “as pessoas são diferentes”, e possuem recursos variados à disposição do jogador para que ele adapte o seu estilo pessoal ao jogo e escolha a forma como deseja resolver as situações e conflitos apresentados. Outra beleza desse tipo de jogo é a similaridade com o mundo real, afinal, o mundo real não é simétrico, nem de longe (já pensou, eu tendo simetria financeira com o Sílvio Santos? Má Roque!).

Jogos assimétricos são inerentemente mais difíceis de balancear, porque a possibilidade de caminhos e combinações diferentes é maior: se ele jogar como um guerreiro, provavelmente levará mais vantagem do que se jogar como um mago? Será que é mais fácil vencer esse nível com um personagem capaz de voar? E se o personagem tiver uma armadura mais forte, será que ele tem uma vantagem desleal no combate? Aqui não existe muito o que fazer: deve-se testar todos os caminhos possíveis, e verificar se existe alguma estratégia dominante entre eles (lembra da aula de puzzles? Uma estratégia dominante é uma forma garantida de se resolver um problema).

Mesmo assim, existe um lado muito interessante nos jogos assimétricos: talvez se você não balancear um elemento, o jogo fique mais divertido, afinal, existem jogadores que preferem um caminho mais difícil, e outros que preferem um caminho mais fácil. Essas possibilidades podem ser refletidas nas próprias opções do jogo, e sem um grande esforço de reajuste o jogo já estará adaptado a vários perfis de jogadores. Vamos pensar numa situação interessante de desbalanceamento em jogos assimétricos: imagine um jogo competitivo, no qual você tem jogadores com níveis diferentes de habilidades. A assimetria do jogo pode permitir que um jogador menos experiente, mas com uma estratégia vantajosa (até mesmo desbalanceada) possa desafiar um jogador mais experiente, sendo a desvantagem um desafio a mais, não um problema do jogo. Dependendo do jogo, pode ser até uma situação de um contra muitos, vários jogadores mais fracos se reunindo para combater um adversário mais forte. A assimetria tem muitos charmes, não acham?

Um jogo assimétrico permite situações interessantes, como um jogador controlando uma unidade superforte (e deveras assustadora) contra uma equipe de jogadores com unidades, digamos, mais normais. <span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Evolve</span>

Normalmente, quando falamos em balancear jogos assimétricos, estamos falando em um balanceamento de recursos: jogar com um conjunto X, Y ou Z de opções é equilibrado? Ou escolher X é muito melhor do que as outras opções? Ilustraremos isso com um exemplo, aproveitando para mostrar como a matemática é uma grande aliada!

SESSÃO MÃO NA MASSA!

Tomemos como exemplo um jogo de RPG. Vamos manter as coisas simplificadas, certo? Imagine que o jogo possui apenas três classes: Guerreiro, Ladino e Mago. Cada personagem possui três atributos principais os quais influenciam suas ações no jogo: força, agilidade e inteligência. A seguinte tabela descreve os atributos para cada classe:

Classe \ Atributo Força Agilidade Inteligência
Guerreiro Alto Alto Baixo
Ladino Baixo Alto Alto
Mago Baixo Baixo Alto

A nossa tabela reflete a seguinte modelagem: o Guerreiro passou a vida treinando para o combate, estratégias e táticas militares, logo é forte e ágil, porém dedicou pouco tempo aos estudos eruditos e conhecimento de mundo. O Ladino não é muito dado ao combate (bom mesmo é fugir da surra!), mas é bastante ágil e muito astucioso, com uma sabedoria adquirida nas ruas. O Mago nem é dado ao combate nem gosta de fazer cambalhotas, mas conhece vários feitiços arcanos e possui um vasto conhecimento obtido através de livros (nem todos podem ser um Kvothe, dos livros das Crônicas do matador de reis - Nome do Vento e Temor do Sábio -. Mais uma ótima recomendação de leitura.).

À primeira vista, já me parece que nosso sistema tem um problema, não é? A impressão que fica é de que as classes do Guerreiro e do Ladino têm uma vantagem sobre a classe do Mago! Será a nossa modelagem falha? Vamos conferir isso direitinho!

Primeiro, vamos transformar os dados da tabela em valores numéricos, assim nós podemos ter uma visão mais clara do que está acontecendo. Vamos usar a seguinte escala: Alto vale 3, Médio vale 2 e Baixo vale 1. Dessa forma temos:

Classe \ Atributo Força Agilidade Inteligência Total
Guerreiro Alto (3) Alto (3) Baixo (1) 7
Ladino Baixo (1) Alto (3) Alto (3) 7
Mago Baixo (1) Baixo (1) Alto (3) 5

Já haviam me falado que um indivíduo é a soma dos seus atributos. Bom, pelo menos meu antigo mestre de RPG falava. Nesse caso, vemos claramente que o Mago está em desvantagem diante das demais classes! E aí começa a nossa brincadeira. Uma primeira medida que pode ser feita é a seguinte: inteligência pode ser um atributo muito importante no jogo. Ele não só permite ao jogador a utilização de feitiços poderosos, como pode dar vantagem na resolução de quebra-cabeças (como dicas) ou habilitar mais opções de diálogos com personagens, permitindo a solução de conflitos através de maneiras alternativas e pacíficas. Logo a inteligência passa a ser um atributo mais poderoso e importante no jogo (e na vida!), e deveria então ter um peso maior na hora de computar o valor da classe. Vamos atribuir um peso 2 para a inteligência e ver como nossa tabela fica:

Classe \ Atributo Força Agilidade Inteligência (x2) Total
Guerreiro Alto (3) Alto (3) Baixo (2) 8
Ladino Baixo (1) Alto (3) Alto (6) 10
Mago Baixo (1) Baixo (1) Alto (6) 8

Opa! Balanceamos para um lado, e desbalanceamos para o outro: agora, a nossa classe Ladino tem mais vantagem sobre as outras duas! Calma, calma, tudo tem jeito. Vamos pensar um pouco: o Ladino é esperto, sem dúvidas, mas é aquele tipo de inteligência de vivência de mundo, e talvez não possa se comparar a de um Mago. E um Ladino não deveria conseguir soltar o mesmo tipo de feitiço de um Mago poderoso, não é verdade? Talvez no máximo um Expecto Patronum ou Wingardium Leviosa. Nada de “You shall not pass!” para ele. Então vamos fazer o seguinte ajuste no nosso modelo: o Ladino é mais inteligente do que o Guerreiro, mas não tanto quanto o Mago, e colocaremos a inteligência dele como média!

Classe \ Atributo Força Agilidade Inteligência (x2) Total
Guerreiro Alto (3) Alto (3) Baixo (2) 8
Ladino Baixo (1) Alto (3) Média (4) 8
Mago Baixo (1) Baixo (1) Alto (6) 8

E como mágica (aha), de forma totalmente inesperada (cof, cof, cof), parece que temos três classes equilibradas! Na verdade, isso é uma mera expectativa: é necessário jogar e testar para ver se esse equilíbrio efetivamente acontece no jogo. Porém temos um indício de que a nova situação está mais balanceada do que o estado inicial.

Como acabamos de ver no exemplo, esse tipo de balanceamento é chamado de transitivo direto, porque atribuímos pesos aos recursos e fazemos uma relação direta entre o valor do atributo com o seu impacto no jogo. Com as relações expressas em termos de sistemas lineares, podemos ir variando os valores até encontrarmos um equilíbrio entre os elementos. Cada atributo pode ser mapeado numa relação custo/valor, de acordo com a sua importância para o jogo. Esse é um tipo de balanceamento muito comum em jogos: quando temos itens ou equipamentos com diferentes tipos de poderes, normalmente o custo para aquisição do item é diretamente proporcional ao seu poder.

Outro exemplo é o do jogo Starcraft: a raça Protoss possui unidades mais fortes do que as outras raças e, consequentemente, essas unidades possuem um custo mais elevado para serem construídas. Por sua vez, os Zergs têm unidades baratíssimas, a preço de banana, mas o poder de ataque não se compara ao das outras raças do jogo. Mesmo assim, o jogador consegue vencer o jogo independentemente da raça escolhida, o que aponta para um equilíbrio entre as três opções.

No <span class='italico'>Starcraft</span>, cada raça possui uma relação direta entre o custo de produção das unidades e seu poder de combate. <br> <span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Starcraft</span>

Mas essa não é a única forma de balancear um jogo!

Vamos para outro exemplo, mais comum em jogos do gênero de estratégia: imagine um jogo no qual você possui um tabuleiro discreto e várias unidades de combate, que você coloca como partes do seu exército. Seu batalhão é composto por três unidades, sendo:

  • Arqueiros, com ataques a distância;
  • Cavaleiros, montados e equipados com espada e escudo e rápido deslocamento;
  • Lanceiros, equipados com uma longa lança para ataque.

Imagine o nosso jogo organizado da seguinte forma:

  • Um arqueiro tem vantagem em combate sobre o lanceiro, porque consegue atacá-lo de longa distância, antes que o lanceiro chegue em uma extensão possível de acertar o arqueiro.
  • O cavaleiro se desloca rápido, então consegue se esquivar com mais facilidade dos ataques do arqueiro, e também reduzir a distância de combate, levando vantagem sobre ele.
  • O lanceiro consegue levar vantagem sobre o cavaleiro, porque a lança permite atacar o cavaleiro antes que ele consiga se aproximar para atacar com a espada, e pode derrubá-lo do cavalo ao se chocar com o escudo.

O que temos nesse cenário é uma relação cíclica ou transitiva indireta: algumas unidades levam vantagens sobre as outras, e o resultado do combate vai depender de como o jogador utiliza suas unidades. Temos as seguintes relações:

  • Arqueiro vence o Lanceiro.
  • Lanceiro vence o Cavaleiro.
  • Cavaleiro vence o Arqueiro.

Esse esquema de balanceamento é idêntico ao do jogo Pedra-Papel-Tesoura-Lagarto-Spock e permite que o equilíbrio seja alcançado não considerando apenas duas unidades, mas ao avaliar o conjunto de todas existentes. Não existe uma unidade que seja predominante sobre todas as outras, ou seja, toda unidade tem um ponto fraco que pode ser explorado. A partir daí a diferença será obtida pela habilidade estratégica de cada jogador. Esse tipo de balanceamento é muito comum em jogos de estratégia.

Em <span class='italico'>Pokemon</span>, cada tipo diferente de monstros leva vantagem sobre outros tipos: o tipo de fogo é frágil contra o tipo de água, os voadores são fracos contra os elétricos, e por aí vai. Na imagem, coitado do <span class='italico'>Pidgey</span>!<br>
		<span class='strong'>Jogo</span>: <span class='italico'>Pokemon</span>

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