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arrow_back Aula 07 - Quests: jornadas narrativas

Um caminho catalizador

Tosca (2005) propõe considerar que, do ponto de vista dos designers de jogos, uma quest é um conjunto de parâmetros no mundo do game (fazendo uso de regras e gameplay) que especifica a natureza e a ordem dos eventos que compõem um desafio para o jogador, incluindo a sua resolução. A autora observa ainda que, em sua interpretação, do ponto de vista do jogador, uma quest pode ser entendida como um conjunto de instruções específicas para a ação, podendo ser vago como algo generalizado do tipo “derrubar o rei maligno”, ou extremamente preciso nos detalhes da missão, como ir até o Bards College e achar o alaúde de Finn, no jogo Skyrim.

Aarseth (2004) se posiciona contrariamente à ideia de jogos como histórias interativas, afirmando que jogos e narrativas não têm efetiva proximidade enquanto linguagens distintas e particulares, ressaltando ser um erro dos narratologistas acreditar que games são um meio propício para contar histórias, uma vez que sua estrutura é baseada nas escolhas do jogador. “Em um jogo, tudo gira em torno da capacidade de fazer escolhas. Se as escolhas apresentadas ao jogador forem tão limitadas que parecem conduzir claramente a ação em uma direção inevitável, eles se tornam quase-escolhas e o jogo se torna um quase-jogo” (AARSETH, 2004, p. 366).

O autor ainda destaca que mesmo os games do tipo adventure, que tentam de forma consistente narrar suas histórias, pecam por apresentar deficiências como pouca ou nenhuma caracterização, plots de ação extremamente derivativos e, “sabiamente” (sic!), nenhuma tentativa de criar jogos com temas metafísicos.

Ao evidenciar a possibilidade oferecida pelos jogos como campos para a “criação de tramas mais complexas”, Lynn Alves (2008) observa que, apesar da pobreza narrativa de muitos jogos, essa linguagem surge rompendo com a linearidade do discurso, “escolhendo diferentes possibilidades, “definindo a trilha que seu personagem seguirá [...] com fortes implicações para o desenrolar do enredo.” (ALVES, 2008, p. 56). Além disso a autora também afirma que “Nessa perspectiva, os produtos e, em especial, os games, não mais ‘chegariam’ prontos ao destinatário. A este caberia o desafio de remodelar, ressignificar e transformar o produto com o qual estivesse interagindo, de acordo com sua imaginação, necessidade ou desejo.” (ALVES, 2008, p. 60).

As acepções da autora vão de encontro ao pensamento de Jeff Howard (2008), que busca um caminho catalizador entre as diversas interpretações do conceito ainda abstrato de “quest”.

Howard (2008) faz uma apresentação inicial de quest como uma jornada através de uma paisagem fantástica e simbólica, através da qual um protagonista ou jogador coleta objetos e conversa com personagens de modo a superar desafios e alcançar um objetivo significativo. “Em minha teoria, quests podem ser usadas para unificar significado e ação” (HOWARD, 2008, p. xii), explica no prólogo, enfatizando que a palavra ‘significado’ é o cerne do game, seu centro pulsante. Sua pesquisa defende que ‘quest-games’ e narrativas baseadas em quests não estão inteiramente separadas, “porque os consumidores de literatura precisam esforço intelectual para interpretar ativamente uma história, existem elementos do universo dos games para as ‘quest-narrativas’” (ibid), propõe, complementando que, por haverem desenvolvedores de jogos que se baseiam em elementos das ‘quest-narrativas’, essa cultura também influenciou os quest-games.

Os designers podem produzir ações com significados tanto quanto ajudar a pavimentar o fosso existente entre jogos e narrativas, baseando-se em estratégias derivadas das narrativas de quests, como o romance medieval e a alegoria renascentista [...] Os designers podem beneficiar-se da tradição das correspondências simbólicas que operam em tais narrativas, nas quais cada espaço, personagem, objeto e ação representam uma outra ideia em uma complexa ordem de inter-relações. (HOWARD, 2008, p. xii)

Sua teoria elege os quatro elementos citados, a saber, espaço, personagem, objeto e ação, como bases para o desenvolvimento de um pensamento unificador para os games e a narrativa clássica.

Interessante citar que mesmo tendo aprofundado sua pesquisa a partir do pensamento de vários autores consagrados e suas definições particulares sobre o tema, Howard incentiva designers e críticos a reconhecer a ideia geral de quest como uma coleção prática de estruturas encontradas e já internalizadas na cultura ocidental em sagas do tipo faroeste para que, de posse desse arcabouço, possam se aprofundar, questionar e até mesmo subverter estas convenções em ambos os campos de conhecimento, tanto no design quanto na narrativa dos jogos.

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