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arrow_back Aula 05 - Personagens: Design e Princípios de Criação

Aspectos Sociais Subjetivos

Katherine Isbister realizou um amplo estudo do caráter psicológico dos personagens em diversos formatos de narrativas, dos tradicionais contos aos games, e elencou alguns aspectos importantes em relação ao comportamento e características subjetivas de comportamento social, capazes de definir previamente nossas atitudes em relação ao estereótipo dos indivíduos.

A autora observa, por exemplo, que pessoas com formas faciais semelhantes a de crianças tendem a ser vistas como mais carinhosas e sensíveis.

Documentos de diferentes culturas mostram que aqueles com características ‘babyface’ evocam mais carinho e confiança, e são mais facilmente absolvidos de responsabilidade. Isso se estende até mesmo para a concessão de sentenças mais brandas em condenações penais a pessoas [com características] ‘babyface’. (ISBISTER, 2006, p. 11).

Da mesma forma, seu estudo aponta que apresentações visuais estereotipadas como roupas e alinhamentos caros impressionam e intimidam, e indivíduos mais altos exalam a imagem de responsabilidade social e detêm as qualidades que os projetam como líderes. Homens mais baixos e mal alinhados terão mais dificuldades em serem levados a sério em ambientes corporativos (como podemos observar na figura 2 a seguir).

Estereótipos diferentes promovem julgamentos diferentes.

Essas singularidades estão presentes em todo o nosso cotidiano e fazem parte de uma leitura de mundo que nos é quase imediata. Isso significa que, ao criar personagens, tenderemos a reforçar esses estereótipos para uma identificação mais efetiva dos jogadores com os personagens, o mundo do jogo e as informações que consideramos importantes de serem transmitidas na aventura, para enfatizar a oportunidade de imersão dos jogadores.

Apesar de suas desvantagens, os estereótipos servem a um propósito importante: eles ajudam as pessoas a fazerem avaliações rápidas para que não tenham que avaliar cada pessoa completamente ‘do zero’. O processo inconsciente de comparar o que é visto por meio de protótipos já na mente e, em seguida, usar comparações para fazer suposições sobre essa pessoa, economiza tempo e esforço [...] em um ambiente de jogo rápido ele pode ser útil para um jogador recorrer a estereótipos para avaliar as intenções de um personagem e as ações prováveis. (ISBISTER, 2006, p. 13).

Faça um rápido exercício mental e avalie quantos estereótipos você conhece: a velha surda, o skatista “descolado”, o taxista que conversa com todo mundo, a diretora de escola severa, o tio que conta sempre as mesmas piadas, o cara vestido de roupa preta com cara enfezada, a loira “pouco inteligente”, o vendedor “espertinho”, o gênio maluco, o cara que se acha o melhor em tudo, a moça que se acha a melhor que todas, o inteligente da classe que usa óculos “fundo de garrafa” etc.

Esses padrões se estabeleceram de forma inconsciente, como afirmou a autora, a partir da repetição de suas fórmulas. Hoje, o mundo vive uma tal saturação midiática desses modelos convencionais que novas apostas estão sendo feitas, especialmente na literatura e no cinema, quebrando alguns paradigmas. Em filmes como Encantada (Enchanted, 2007), por exemplo, é a princesa quem salva seu candidato o príncipe das garras da madrastra-dragão; o príncipe “perfeitinho” casa-se com a ex-namorada do par romântico da princesa; e o assistente de vilão se transforma em um escritor de sucesso na atualidade. Em Enrolados (Tangled, 2010), animação da Disney, o herói é um ladrão (o “patinho feio”, como vimos na última aula); o defensor da princesa é um cavalo paranoico com a Lei e a Ordem; e o grupo de apoio da trama (os sidekicks) é composto por piratas e bárbaros errantes.

Essas mudanças renovam a estrutura clássica dos contos e dão nova perspectiva aos gêneros literário e cinematográfico. Nos games, o próprio fato das interações em hipermídia permitirem os mais diversos caminhos para transcorrer a jornada, fazem com que a narrativa tradicional não se aplique e muitas podem ser as histórias vividas, com desfechos vitoriosos, de derrota ou enigmáticos, mas sempre cheios de surpresas e gerando motivação e expectativa para uma nova partida.

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