Cursos / Jogos Digitais / Criação de Personagens e Narrativas de Jogos / Aula

arrow_back Aula 05 - Personagens: Design e Princípios de Criação

Identidade e perfil do personagem

“Eu não sei quanto a você, mas sempre que eu crio o design de um personagem sem escrever seu histórico, o design do personagem muda assim que eu o escrevo”. Bryan Tillman (2011).

Tão importante quanto criar uma apresentação visual marcante para o seu personagem é elaborar um comportamento coerente com suas atitudes e motivações. Tudo isso está diretamente relacionado ao perfil psicológico do personagem e sua identidade. Essas definições são fundamentais para a condução narrativa do game.

Já vimos na aula anterior os passos da Jornada do Herói, que determinam um arco narrativo compatível com os contos clássicos do herói épico. Esses princípios também funcionarão para os games, mas apenas para as definições gerais do jogo, considerando que, como visto nas aulas anteriores, a narrativa em hipermídia não corresponde necessariamente à ideia de fluxo de continuidade, como estabelecido por Aristóteles e outros estudiosos da narrativa, permitindo ao jogador-interator a possibilidade de optar pelo caminho e pela forma de interação com os conteúdos da história em níveis diversos, apreendendo diferentes aspectos da história e do mundo do jogo a cada nova jogada.

Videogames fornecem uma espécie extraordinária de intimidade com as máquinas em micromundos interativos e governados por regras, onde os jogadores entram em um ambiente virtual de possibilidades infinitas, experimentando estados alterados de consciência e de ser envolvido no que está acontecendo na tela, como afirma Sherry Turkle (1984, p. 66).

“Os videogames são algo que você faz, algo que você faz com a sua cabeça, um mundo que você entra e, em certa medida, eles são algo que você ‘se torna’. ”

Essa identificação com o personagem, ao ponto de “tornar-se” parte do game, é similar ao protagonismo exibido em outros veículos a partir da “suspensão voluntária da descrença” de que falava Samuel Taylor Coleridge, como já visto em nossos estudos.

Doc Comparato estabelece interessantes considerações sobre a relação entre o personagem ficcional e os seres humanos. O autor identifica que embora ambos emanem sentimentos, são ramificações distintas de uma mesma base. Os homens necessitam de esperança e os personagens de expectativa, afirma que “um homem esperançoso é feliz, um homem cheio de expectativas normalmente é uma criatura tensa. Já uma personagem cheia de esperanças é ingênua, enquanto outra envolta em expectativas detona tensões e conflitos. É um ser rico e complexo para o drama.” (COMPARATO, 1995, p. 111).

Saber conduzir o personagem com crescentes expectativas no game é, portanto, uma das peças fundamentais da estrutura narrativa, independentemente do arco narrativo, considerando que a criação de uma boa trama para um game imersivo e instigante fará uso de inúmeras situações e missões paralelas para envolver o jogador e criar expectativas.

O pensamento da pesquisadora Lynn Alves segue em linha semelhante, ao considerar que é igualmente importante para esse envolvimento a percepção do mundo digital do jogo, de modo que as sensações de pertencimento e imersão sejam plenas, provocando o desejo de prosseguir trilhando os objetivos do jogo:

É como se ele [o jogador] se transformasse no próprio personagem (num processo de identificação com pontos de vista semelhantes aos que ocorrem no cinema) e, para que isso se efetive de maneira mais concreta, é importante que ele veja e escute o que acontece nos mesmos padrões de sua vida fora dos games”. (ALVES, 2004, p. 47).

Tais acepções são reforçadas pelo pensamento de Pierre Lévy, para quem a necessidade de envolvimento do jogador com o personagem e sua saga precisam ser absolutas, complementando essa sensação imersiva de participação e agência por meio do avatar. Assim afirma Lévy (1999, p. 80) que “Para envolver-se de verdade, o jogador deve projetar-se no personagem que o representa e, portanto, ao mesmo tempo no campo das ameaças, forças e oportunidades em que vive, no mundo virtual comum.”

Como funciona esse entendimento do perfil psicológico do personagem?

Versão 5.3 - Todos os Direitos reservados