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arrow_back Aula 06 - A base para a criação de Personagens

Variações dos Personagens nos diferentes meios

Em cada mídia, observaremos que os personagens são retratados de uma maneira, de acordo com as possibilidades oferecidas por esse meio.

Antonio Candido (1985) aponta que os personagens criados no universo ficcional dos romances mostram-se tão complexos quanto desejam seus autores, afirmando que

“A força dos grandes personagens vem do fato de que o sentimento que temos de sua complexidade é o máximo; mas isso, devido à unidade, à simplificação estrutural que o romancista lhe deu.” (CANDIDO, 1985, p. 59)

Para Candido, o romancista combina com perícia elementos de caracterização de forma simplificadora, por meio da “escolha de gestos, de frases, de objetos significativos, marcando a personagem para identificação do leitor, sem com isso diminuir a impressão de complexidade e riqueza” (CANDIDO, 1985, p.58).

Na mesma obra, Paulo Emílio Sales Gomes traduz o comportamento de personagens da ficção cinematográfica com certo hibridismo entre as narrativas teatrais e literárias. Para ele, podemos definir o cinema como um “teatro romanceado”.

[...] no espetáculo teatral, temos as personagens da ação encarnadas em atores. Graças porém aos recursos narrativos do cinema, tais personagens adquirem uma mobilidade, uma desenvoltura no tempo e no espaço equivalente a das personagens de romance. (GOMES, 1985, p. 106).

É nas reflexões de Schell (2008) que encontraremos a visão que dá continuidade a essas ideias, considerando a criação de personagens para games, que diferem das ideias até aqui apresentadas.

Schell (2008) acredita que os jogos serão capazes de narrar grandes histórias somente se tais histórias contiverem em si personagens memoráveis. O autor elencou as seguintes singularidades entre os personagens de mídias diferentes:

  • Mental $\rightarrow$ Físico. Nos romances, os personagens estão envolvidos em profundas lutas psicológicas. Já nos filmes são envolvidos em lutas emocionais e físicas: nós não podemos ouvir os pensamentos dos personagens do filme, mas podemos ver o que eles dizem e fazem. Por sua vez, nos games, os personagens estão envolvidos em conflitos quase exclusivamente físicos, pois em sua maioria não possuem pensamentos, sendo apenas ocasionalmente capazes de falar. Em todos os três casos, os personagens são definidos por seus meios de comunicação.
  • Realidade $\rightarrow$ Fantasia. Os romances tendem a ser baseados na realidade; os filmes podem estar enraizados na realidade, mas direcionam-se à fantasia, e os mundos do jogo são situações quase inteiramente fantasiosas. Seus personagens refletem isso, pois são produtos de seu ambiente.
  • Complexidade $\rightarrow$ Simplicidade. Por uma variedade de razões, a complexidade e profundidade dos personagens gradualmente altera-se à medida que seguimos dos romances aos jogos.

Como é possível observar, o pensamento do autor dá prosseguimento às impressões de Candido (1985) e Gomes (1985), identificando que personagens nos games tendem a se mostrar menos consistentes em seus dramas pessoais e complexidade. Mas suas ideias não sugerem simplificação do processo criativo para os produtores de jogos, quando afirma que,

"Isso não significa que não seja possível adicionar mais profundidade, mais conflito mental e mais relações interessantes entre os personagens nos jogos. Significa apenas que é desafiador." (SCHELL, 2008, p. 111)

Para encerrar o pensamento em torno da construção de personagens factíveis e bem-elaborados para os games, vale atentar para os conceitos do escritor Foster (1927), que no início do século passado já delineava o vislumbre de tipos de personagens específicos para propósitos diferentes na narrativa, entendendo-os como personagens esféricos (rounded) ou planos (flat). Diz o autor sobre o personagem plano na literatura:

Em sua forma mais pura, eles [os personagens planos] são construídos em volta de uma única idéia ou qualidade: quando há mais de um fator neles, temos o início da curva para a rodada. [...] Uma grande vantagem de personagens planas é que eles são facilmente reconhecidos sempre que aparecem - reconhecidos pelo olhar emocional do leitor, não pelo visual, que apenas observa a recorrência de um nome próprio. (FOSTER,1927, p. 48-49)

Nessa linha de pensamento, Foster (1927) entende que os personagens esféricos apresentam comportamentos e conteúdos mais substanciais, enriquecendo o perfil de tais criações, tornando a narrativa mais densa e a jornada a ser vivida muito mais interessante no caso dos games.

Apenas as personagens esféricas estão aptas a viver um papel trágico por qualquer período de tempo e pode mover-nos para quaisquer sentimentos, exceto humor e adequação [...] O teste de um personagem esférico é ser capaz de surpreender de forma convincente. Se nunca surpreende, é plano. Se ele não convencer, é plano com intenções de ser esférico. Ele tem a imprevisibilidade da vida sobre si. (FOSTER,1927, p. 52-55)

Essas definições são úteis para elaborar personagens para games, definindo-os a partir de seus papéis e graus de importância na trama dos jogos. Um protagonista a exemplo de Adam Jensen, de Deus Ex - Human Revolution, deverá apresentar contornos mais substanciais e maior profundidade psicológica do que Clank, o robô da série Ratchet & Clank, que dá apoio às aventuras do viajante espacial.

Tente lembrar de alguns personagens que você gosta, e avalie-os quanto ao seu grau de importância no jogo. Compare-os a partir de sua profundidade psicológica. O que você pode concluir com isso?

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