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arrow_back Aula 06 - A base para a criação de Personagens

Estereótipos de Personagens

Will Eisner (1917-2005), renomado ilustrador e quadrinista, enfatizou em sua obra “Team fortress 2” a importância dos estereótipos referenciais para a arte das HQs. Na última aula, apresentamos as palavras da pesquisadora Katherine Isbister, para quem o estereótipo é igualmente importante como recurso para o design de personagens de games. Para Eisner:

A arte dos quadrinhos lida com reproduções facilmente reconhecíveis na conduta humana. Seus desenhos são reflexos no espelho, dependem de experiências armazenadas na memória do leitor para que ele consiga visualizar ou processar rapidamente uma ideia. (EISNER, 2005, p. 21)

O artista elucida que, nos filmes, há tempo para que um personagem possa ser adequadamente desenvolvido e nas HQs, contrariamente, há pouco tempo e espaço, devendo a imagem ou a caricatura defini-lo rapidamente. Uma das técnicas usadas para trabalhar a identidade visual dos personagens é o alto-contraste, iniciando a etapa do design com esboços em preto, que ajudem a definir um traço marcante para o personagem. Observe a Figura 1 abaixo, que mostra vários personagens de animações diversas e tente identificá-los:

Silhuetas de desenhos clássicos

A maioria desses personagens deverá ser reconhecível por pessoas que tenham acesso à cultura de massa dos grandes veículos televisivos. Seus traços são marcantes e denotam as diferenças entre eles, incluindo aí suas personalidades, que são, em grande parte dos casos, caricaturalmente exageradas.

Na Figura 2 seguinte, os personagens do game Team Fortress 2, da Valve, são também apresentados em silhuetas de alto-contraste e evidenciam a importância de conceber formas capazes de criar um padrão visual que identifique individualmente os personagens. Questões como unidade de conceito e estética também são importantes e serão vistas mais à frente neste estudo. Esta primeira etapa de concept art será de grande valia na produção dos seres que povoam seu jogo. Como visto na afirmação de Isbister na apostila anterior: “em um ambiente de jogo rápido, ele pode ser útil para [...] avaliar as intenções de um personagem e as ações prováveis” (ISBISTER, 2006, p. 13).

Técnica de reconhecimento de silhuetas aplicada em personagens do jogo Team Fortress 2, da Valve.

Antes de seguirmos para o próximo tópico, vale relembrar figuras claramente idealizadas a partir dos estereótipos bem como aqueles que parecem fugir do padrão convencional. Podemos citar Sephiroth, da saga de Final Fantasy, como o típico antagonista do herói: poderoso, misterioso, denso e com traços que remetem a uma figura soturna, introspectiva e infeliz. Link, que segue a típica Jornada do Herói em The Legend of Zelda, é outro exemplo que segue o padrão clássico do herói épico. Kratos, também um expoente do deslocamento épico em sua jornada, compõe o visual badass e o comportamento anti-heroico em God of War, típico dos fortões sisudos eternizados no cinema, especialmente em personagens como T800, de O Exterminador do Futuro, Aragorn, o misterioso guardião “Passo Largo” de O Senhor dos Anéis, ou os caubóis de Clint Eastwood. Master Chief, da série Halo, é um exemplo de herói implacável, que evoca os mariners do exército norte-americano, Baiken, da série de ficção futurista Guilty Gear, encarna a essência do samurai feudal, subvertendo-a na figura de uma guerreira do gênero feminino, e mesmo o cartunesco Sonic exala um comportamento rebelde e atrevido, típico do público adolescente ao qual sua imagem estaria vinculada nos anos 90.

Contrariamente, encontramos em outros personagens exemplos que fogem às estereotipadas convenções clássicas, como a Princesa Toadstool, famosa dama em perigo que se aventura a salvar Mario em Super Princess Peach (3DS), a aparentemente inocente e indefesa Juliet Starling, cheerleader de Lollipop Chainsaw, Michael Jackson, com seus ataques inusitados em Moonwalker, Samus Aran, a mulher guerreira de Metroid ou mesmo os personagens da série GTA, desajustados sociais incapazes de se enquadrarem como heróis.

Algumas vezes, o reforço no estereótipo dos personagens e do projeto como um todo é fundamental para alinhar adequadamente a experiência pretendida para o jogador. Robin Walker, engenheiro da Valve explicou, em 2007, as razões que levaram às significativas mudanças no design do game Team Fortress, para a sua segunda versão:

Quando pensamos em experiências diferentes, estamos pensando em coisas como a tomada de decisões pelo jogador. Quando você está em uma situação sendo uma das classes [de personagens], a decisão que você toma como essa classe deve ser diferente da que tomaria se fosse uma classe diferente, e certamente os fatores com os quais você se preocupa deveriam mudar e assim por diante [...] o motivo da mudança das várias classes é, principalmente, porque nós estávamos descontentes com experiência em si mesma. (ING, 2007).

A afirmação do produtor revela, sobretudo, a importância de conceber um design de jogo que, independentemente de qualidade gráfica, level design, tempo de duração do jogo e outras características, considere o fator fundamental de oferecer uma experiência gratificante para o jogador. Manter os estereótipos para facilitar a identificação dos personagens no jogo ou renegá-los como forma de romper padrões e criar uma nova experiência são decisões a serem tomadas com o objetivo final de produzir um grande projeto ao seu público.

Abaixo, seguem dois exemplos de estereótipos de personagens. Na Figura 3, temos o exemplo criado por Will Eisner (2005) que mostra modelos padrão de personagens convencionais de ambientes urbanos da atualidade. O segundo exemplo, produzido pelo artista Kshiraj Telang, e ilustrado na Figura 4, apresenta em estilo cartum o padrão visual de personagens comumente associados às narrativas clássicas tradicionais e à Jornada do Herói, de Joseph Campbell.

Estereótipos de personagens, criado por Will Eisner. Concept art de The Legend of Branora, por Kshiraj Telang.

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