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arrow_back Aula 04 - Motivação em Jogos

3. Engajando jogadores

Antes de iniciarmos qualquer discussão, precisamos esclarecer alguns conceitos. De acordo com McNamara, o primeiro é que você não irá motivar as pessoas. Existe uma grande discussão com relação a essa terminologia, mas o entendimento geral é que a motivação é algo individual e parte de dentro de cada indivíduo. Pessoas diferentes são motivadas por vários fatores, e apenas a própria pessoa pode motivar-se ou não a fazer algo. O que poderá efetivamente fazer é engajar as pessoas, ou seja, prover de alguma maneira um atrativo que funcionará como uma ponta ou estimulador para que as pessoas se motivem a realizar a atividade proposta por você, no caso, a jogar o seu jogo.

Então nos resta entender quais são os principais motivadores que podemos utilizar para prover esse engajamento nas pessoas e de que modo os jogos contribuem para estimulá-los. Para isso, vamos tomar por base um framework de gamificação muito popular chamado de octalysis, ou análise octal. Embora tenha sido criado por Yu-Kai Chou para a gamificação de sistemas, ele possui uma representação visual muito interessante, que nos ajudará a entender melhor a questão motivacional dos jogos. Essa é a cara dele:

O aspecto motivacional como apresentado pelo framework Octalysis

Vamos devagar aqui. Cada ponta desse octógono acima representa um elemento motivador, ou seja, um tipo de motivação diferente que leva as pessoas a se interessem por jogar. Vamos detalhar cada elemento:

1. Significado épico: pessoas gostam de se sentir especiais.

Algumas pessoas se sentem motivadas a jogar porque o jogo permite a elas a sensação de que foram escolhidas para realizar uma tarefa de grande significado, e que apenas elas teriam uma habilidade especial para resolvê-la. É a ideia do Escolhido, do filme Matrix. Isso faz com que as ações do jogador tenham um significado especial, passando a sensação de que ele tem o poder de transformar o mundo e deixar uma marca, e isso muitas vezes é difícil de acontecer na vida real. Os jogos utilizam principalmente a narrativa como uma forma de apelo a este tipo de motivador, imergindo o jogador em um cenário épico no qual as suas ações representam um fator determinante no resultado final do jogo. Outra forma de se trabalhar esse aspecto é através da inserção de conteúdos exclusivos, pelos quais poucos jogadores tenham acesso, de modo que aquele que o tem passa a se ver como um elemento exclusivo dentro do mundo do jogo.

A ideia de que o jogador possui uma posição especial no jogo e que as suas ações serão determinantes para o resultado do jogo é a mesma utilizada em filmes como Matrix.

2. Apoderamento criativo: pessoas gostam de ter liberdade de escolha e de se expressar criativamente.

Essa motivação apela para o lado criativo e construtivo do jogador e é fortemente ligada ao quanto o jogador consegue customizar o mundo do jogo, possibilitando liberdade para que o jogador resolva os problemas apresentados da forma como ele achar melhor. Ao mostrar rapidamente qual o resultado de cada ação, cria-se um ciclo dinâmico em que o jogador percebe em tempo real as escolhas que possui e as consequências de se realizar essas ações. Um exemplo desse tipo de motivador seria o Lego, pois existe um conjunto básico de peças as quais podem ser montadas e combinadas de várias formas possíveis, limitado apenas a criatividade de quem brinca com eles. Jogos com essa característica construtiva, como The Sims e Sim City, são exemplos diretos desse tipo de motivador, além dos jogos de RPG, os quais permitem ao jogador várias opções de personagens e habilidades. Além disso, jogos que possuem itens que alteram a forma de jogar, como Boosts e Power-Ups (itens que aumentam ou adicionam poderes ao personagem do jogador), também proporcionam a possibilidade para o jogador escolher como deseja abordar uma determinada fase do jogo.

Em The Sims, o jogador possui liberdade completa para construir o seu personagem e a sua casa da forma que bem desejar.

3. Realização e desenvolvimento: pessoas gostam de ver que estão melhorando e crescendo em habilidade.

Esse é um motivador clássico e se relaciona com a progressão do jogador ao longo do jogo. Esse senso de evolução e melhoria é algo que possui um forte apelo às pessoas, principalmente porque nos jogos esse crescimento ocorre de forma mais rápida do que na vida real. Desde os primeiros jogos, a existência de pontos e placares tem como objetivo engajar pessoas que se motivam por esse senso de realização. Mas não é apenas a presença de pontos que justifica isso, e sim os desafios existentes no jogo, pois à medida que o jogador começa a superar desafios cada vez mais difíceis, ele percebe que está evoluindo dentro das habilidades necessárias para vencer o jogo. Tudo o que pode ser usado para determinar que o jogador está melhorando, como pontos, conquistas, lista de missões, sistema de níveis de personagem e até batalhas finais contra chefões de fase, são elementos que engajam jogadores motivados pelo senso de realização.

Em jogos como Call of Duty, os jogadores têm uma lista de conquistas que são adquiridas à medida que ele realiza ações específicas dentro do jogo.

4. Propriedade/posse: pessoas gostam de possuir e acumular coisas.

Propriedade/posse e apoderamento são os mais fáceis de se observar nos jogos (e na vida), pois esses motivadores são responsáveis por fazerem as pessoas iniciarem coleções, seja de selos, pedras, pokemons ou jogos. Já parou para pensar por que tantas pessoas juntam dinheiro, mas nunca ficam satisfeitas? A necessidade humana de coletar e acumular coisas é praticamente natural e instintiva e os jogos se aproveitam disso para estimulá-la através de sistemas com itens ou outro tipo de recurso dentro do jogo. Existem jogos em que o desafio principal é focado no acúmulo e gestão de recursos ao longo de toda a partida. Mas a noção de posse não precisa ser exatamente de algo que o jogador possui dentro do jogo, um exemplo claro desse motivador ocorre quando existe a possibilidade do jogador criar um personagem do jeito que quiser. Esse avatar (personagem do jogador no mundo do jogo) personalizado tem um apelo mais forte em termos de identificação para o jogador do que um já fornecido pronto para ele, de forma que ele se sente “dono” da sua criação.

Pokemon é baseado principalmente na ideia de se coletar e possuir todos os monstros existentes no jogo, sendo um objetivo até mesmo maior do que terminar o jogo!

5. Influência social: pessoas gostam de outras pessoas.

Esse motivador é ligado diretamente ao nível 3 da hierarquia de necessidades de Maslow, não acham? Todos nós, por mais antissocial que sejamos, sentimos a necessidade de nos conectarmos a outras pessoas. É uma característica nossa como seres humanos! E os jogos trabalham muito bem isso, seja através de elementos de competição, pelos quais tentamos igualar as habilidades com os nossos adversários, ou através de elementos de colaboração, quando unimos forças com outro grupo para atingir um objetivo em comum. Atualmente, é quase um padrão o jogo apresentar um componente online para permitir que jogadores de diferentes lugares possam interagir, e com o crescimento da cultura gamer, eventos e encontros sociais que unem pessoas ligadas aos jogos acontecem cada vez mais.

Em jogos como Dota2, não basta apenas confiar na própria habilidade para vencer. É necessário trabalho em equipe e confiança nos companheiros de time.

6. Escassez/impaciência: pessoas querem o que não podem ter.

Você já ouviu a frase “a grama do vizinho é sempre mais verde”? Pois é, existe um motivo para ela ter sido criada. Quando um recurso é limitado, seja pela quantidade que existe ou pelo preço, geralmente isso aumenta a vontade das pessoas em tê-lo. É quase como se possuir esse produto lhe colocasse em um grupo exclusivo. E como já vimos, ser especial e ter identificação com um grupo também são fortes motivadores, que acabam influenciando esse também. Bastante utilizado em jogos e uma das formas mais utilizadas é quando o jogo limita o número de ações ou tempo que o jogador pode passar jogando, muito comum em alguns jogos online e casuais. Levando o jogador a esperar, digamos, duas horas para realizar a próxima ação faz com que ele passe o dia todo pensando no jogo. Sem contar nos jogos que oferecem a possibilidade de jogar logo por um preço especial. Ah! Esse povo que vende tempo!

Outra forma de se apelar para esse tipo de motivação é através do controle da oferta de itens e prêmios, como ocorre em jogos de RPG, ou da imposição de limite de tempo para concluir as ações, muito comum em jogos de corrida ou luta.

Quanto mais difícil for de se conseguir um objeto, maior vai ser a procura e o desejo das pessoas de tê-lo.

7. Imprevisibilidade: pessoas são curiosas.

Vou te contar, se a curiosidade matasse a gente em vez do gato, acho que estaríamos extintos! Mas é natural, nosso cérebro gosta de saber o que vai acontecer. Sempre que existir um elemento de sorteio ou incerteza no jogo, esse será o motivador em questão, o mesmo que nos faz ler um livro, assistir a um filme ou procurar spoilers de game of thrones na internet.

Nós temos uma necessidade de completar as informações para conhecer um cenário. Na medida em que os jogos passaram a ter mais narrativa, esse motivador começou a ser explorado de forma mais direcionada. Atualmente, existe um conjunto de jogos voltado a atender esse motivador através da geração de conteúdo de forma procedural (aleatório, é gerado na hora em que a pessoa vai jogar), assim, toda vez que o jogador começar uma partida, ele estará em um cenário novo, dando uma sensação de novidade. Um cuidado que se deve ter é que esse também é o principal motivador dos jogos de azar, então existe uma ligação entre esse tipo de motivação e o vício.

<span class='italico'>Recettear</span> é um exemplo de jogo que explora bem a curiosidade como motivador. Não só as fases são geradas de forma aleatória, dando sempre um novo lugar para o jogador explorar, como ao longo da fase existem várias caixas de tesouro, que podem conter desde meias rasgadas, grandes tesouros e até mesmo armadilhas!

8. Perda: pessoas não gostam de perder ou sofrer consequências negativas.

Falar sobre perdas praticamente dispensa explicações. Ninguém gosta de errar ou perder e vai fazer o que for possível para isso não acontecer. Esse motivador se dá tanto através de desafios e adversários que ameaçam o bem-estar do jogador como de oportunidades que aparecem por tempo limitado, passando a ideia de que se o jogador não aproveitar aquele momento, não haverá outra possibilidade de conseguir atingir determinado objetivo. No fim do dia ninguém quer ver aquela tela de Game Over, não é mesmo?

Não ver essa tela já é um grande motivador para a maioria dos jogadores!

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