Flow e Game Design

Compreender as variáveis envolvidas no design de games e alinhar essas possibilidades às dinâmicas do Flow para concretizar um projeto instigante e jogável por um grande número de players, com seus diferentes graus de habilidade, é talvez o maior desafio de uma produção, e o elemento que pode definir o sucesso ou a derrocada de uma franquia.

Visando mapear essas características, Sean Baron, pesquisador de experiência de usuários no Microsoft Studios, publicou um artigo no qual elenca ideias voltadas à produção de um jogo capaz de contemplar essas possibilidades.

  • I – Jogos devem ter metas concretas, com regras gerenciáveis

    O Flow se perde quando o jogador não sabe quais são seus objetivos, como se espera que eles sejam realizados, ou que novas técnicas de jogo supostamente devem usar para resolver um puzzle. Quando isso acontece, os jogadores perdem o interesse e ficam propensos a parar de jogar […] Metas concretas com regras gerenciáveis são factíveis […] o próprio ato de realizar algo reforça o desejo em permanecer fazendo-o. Este ciclo meta-conquista-recompensa pode manter os jogadores grudados a um jogo e facilita o estado de Flow. (BARON, 2012).

  • II – Jogos só devem exigir ações que se encaixem nas capacidades de um jogador

    Compreender os limites de capacidade do jogador e cultivar a habilidade do jogador é de fundamental importância. Se os jogadores não são capazes de atingir objetivos – mesmo se as metas e as regras forem claras – então eles vão considerar a sua experiência de jogo insatisfatória […] caso contrário, os jogadores pararão de jogar. (BARON, 2012).

  • O texto atenta para o aumento de stress do jogador, que perde a qualidade de performance no jogo. A continuação dos níveis elevados de dificuldade também afetará o comprometimento do jogador com o próprio jogo.

  • III – Os jogos devem dar um feedback claro e apropriado sobre o desempenho do jogador

    Seja o feedback na forma de som vindo de um clube virtual de golfe, a onipresente barra de experiência em um RPG ou o borrão de sangue vermelho simulado na visão de um avatar de FPS, os jogadores precisam saber como eles estão fazendo. (BARON, 2012).

  • Quando o feedback ocorre logo após a ação, entre 200 a 400 milissegundos, a formação das associações entre ação e resultado se manifesta com maior clareza. Para os objetivos de médio e longo prazo o feedback sobre o progresso no jogo pode conduzir a um maior comprometimento e conclusão.

  • IV – Jogos devem remover quaisquer informações irrelevantes que inibam a concentração

    À medida que a desordem sensorial e de informações aumenta, a capacidade do jogador para encontrar e avaliar estímulos importantes diminui tremendamente. Isto significa que os designers devem se esforçar para manter um nível de simplicidade em todos os aspectos de seus jogos (de UI para HUDs). (BARON, 2012).

Existem limitações sobre a quantidade de informação que podemos analisar simultaneamente e campos visuais desordenados comprometem o processamento desses dados, afetando negativamente a compreensão dos objetivos e o aprendizado das regras e, por conseguinte, o Flow.

Um exemplo clássico de Flow e Game Design é o jogo Doom (Id, 1993), ou demais jogos de tiro dos anos 1990, que, diferentes dos de hoje, não tinham tanta exploração, cooperação ou puzzles. Nesses jogos, inicia-se com uma arma comum, como uma pistola, alguns adversários e vão surgindo mais adversários até que o jogador aprenda a dominar bem a sua arma. Quando isso acontece ele recebe uma arma nova, uma escopeta, por exemplo, e uma série de outros inimigos, até que aprenda a dominar a arma nova, a trocar de armas e a identificar as melhores estratégias para cada adversário. Uma vez aprendido isso, o jogo traz uma arma nova, e com elas, mais adversários, qualidades diferentes, como velocidade, força, pontos fracos, e o jogador deve aprender a dominá-los. Com isso, o jogo fica em um permanente estado de aprendizagem e o jogador vai sendo desafiado gradativamente, para que supere as habilidades novas que fica a receber.

Em jogos mais atuais, como FallOut 4 (Bethesda, 2015), Skyrim (Bethesda, 2011), Metro 2033 (4A Games, 2010), The Witcher 3 (CD Projekt, 2015), entre outros, o jogador vai conquistando novas tecnologias, feitiços, armas, proteções, através de vários meios, como diálogos, competições, compras, roubos, explorações, para evoluir na história e também em sua personagem. Com novos XP (pontos de experiência) vêm novas responsabilidades.

Os jogos de Mundo Aberto (Open Worlds) misturam muito bem as tarefas e a evolução da personagem com a história, as regras e o universo ficcional como um todo. Mas nem sempre isso é bem realizado. Alguns jogos, como Mad Max (Avalanche, 2015), são por vezes tarefeiros, porque apresentam muitas missões, algumas bastante repetitivas, e nem todas elas colaboram para ampliar ou orientar a narrativa do jogo, como acontece muito bem em FallOut 3 e 4.

Estamos chegando ao fim de nossa disciplina. Prepare-se, porque agora reuniremos todo o nosso conhecimento em direção ao que tornam os jogos diferentes de todas as outras mídias que os antecederam: o seu gameplay. Enquanto personagens e narrativas são muito importantes nos jogos, elas existem em diversas outras mídias. Com o aparecer dos jogos, elas foram sendo aproveitadas e se adequando a essa nova mídia. A cada dia mais elas se reconfiguram para uma linguagem própria que apenas os jogos têm. E isso não vai acontecer de hoje para amanhã. Pode demorar anos ou décadas e você, enquanto profissional dessa área, pode ser um dos responsáveis por essa nova linguagem.

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