Flow e Level Design

Um interessante artigo na rede de Ashley Eung avalia a relação entre o Level Design nos games e a teoria do Flow. Afirma a autora:

Para construir um nível, o designer deve fazer uso da engine, da arte e do ‘core gameplay’ do jogo [isto é, das mecânicas de jogabilidade]. Isso geralmente é um processo iterativo e, muitas vezes, um nível é o lugar onde os problemas de um jogo podem se tornar mais aparentes. Em alguns aspectos, a criação de um nível é como montar um quebra-cabeça. Sem um bom nível para jogar, um jogo falhará em alcançar seu verdadeiro potencial. Uma forma de melhorar os níveis nos games poderia ser o uso e compreensão da Flow. (EUNG, 2015, tradução nossa).

No mesmo artigo online, a autora afirma que o Flow também pode ser visto como imersão ou participação em uma atividade; a sensação de atenção plena, envolvimento e sucesso. “Por meio do Flow muitas vezes as pessoas podem experimentar uma forte sensação de descoberta, um sentimento criativo de estar em uma nova realidade, podendo levar a pessoa para alcançar níveis mais altos de desempenho, com extremo foco de atenção e consciência”, afirma Eung (2015).

O texto ainda apresenta considerações de Michael Stout, um desenvolvedor de jogos que analisou o game The Legend of Zelda à luz das teorias de Csikszentmihalyi, com surpreendentes conclusões em relação ao design e gameplay do jogo. Entre as ponderações, Stout concluiu que The Legend of Zelda é um “master class de sua época, que permanece legítimo ainda hoje”. Sua avaliação indica que:

  • I) O Flow através dos níveis apresentava uma intenção magistral de exploração, com caminhos quase completamente lineares, de modo que o jogador não se perdesse pelos labirintos, e o uso de “atalhos, segredos e quartos que se ramificavam a partir do caminho principal propunham um equilíbrio perfeito entre a sensação de exploração e desorientação”;
  • II) Intensidade crescente do nível de dificuldade, tratado com muita inteligência, com uma abordagem bem elaborada, intencional, sutil e, em geral, muito bem executada. “Em um quarto você lutava com três coisas gelatinosas, e no seguinte, lutava com cinco”;
  • III) Variedade de encontros nunca repetitiva, com uma combinação dos elementos do nível e monstros sempre diferentes;
  • IV) Treinamento, algo incomum para os games da época. O treinamento consistia de quartos escuros, que ofereciam dicas para o jogador, como “Você precisa de dinheiro para [adquirir e] atirar flechas”. Ainda que a eficiência desse elemento não tenha sido plena no jogo, a ideia era bastante inovadora e mantinha o interesse na continuidade.

O artigo online “Game design the miyamoto way: flow and difficulty” observa a presença do Flow na mecânica de crescente desafio do arcade Donkey Kong, desenvolvido por Shigeru Miyamoto.

Este projeto foi construído como uma resposta direta ao design de jogos de tiro para arcades, que tinham desenvolvido o sistema de 'Continue' à medida em que os jogos se tornavam mais difíceis: insira outra moeda para continuar a jogar nessa parte realmente difícil. (DESERT HAT, 2009).

O texto, escrito a partir de uma entrevista do criador de Mario, avalia como Miyamoto inseriu no projeto os elementos presentes no conceito de Flow. Como afirma o autor, Miyamoto está falando essencialmente em um sistema que conduz o jogador ao estado de Flow.

Inicialmente, o jogo é muito fácil, e por isso o jogador pode se sentir um pouco entediado. No entanto, a dificuldade vai lentamente aumentando, e o jogador acabará por chegar a um ponto em que a dificuldade do jogo corresponderá à sua habilidade. O jogador, então, chega a uma parte onde a dificuldade é simplesmente muito alta, e ele falhará. Isso pode causar alguma frustração. No entanto, ao retornar o jogador de volta ao início, [o game] coloca o jogador de volta na fase de fácil/tédio, o que irá ajudá-lo a reconstruir sua confiança e levá-lo de volta para o estado de fluxo.(DESERT HAT, 2009).

Richard Rouse III estabelece em sua obra os princípios de Level Design necessários para atingir uma produção adequada ao desenvolvimento de games, capaz de oferecer níveis crescentes de desafio de forma instigante, sem que o jogo se torne enfadonho ou frustrante. Entre informações sobre não deixar o jogador sem alternativas para prosseguir o jogo, objetivos secundários para complementar a jornada e a importância de criar checkpoints, Rouse identifica a necessidade de balancear a condução do jogo, de modo que não seja fácil demais ou impossível de vencer um determinado nível. Diz o autor:

Você deve fornecer dados suficientes para que os jogadores tenham uma chance razoável de evitar todos os obstáculos colocados em seu caminho, se eles forem atentos e perspicazes o suficiente. Sempre que os jogadores falharem em seu nível, eles devem sentir que eles tinham uma boa chance de evitar o fracasso se tivessem sido mais observadores ou se tivessem pensado um pouco mais antes de agirem. Nada frustra jogadores mais do que perceber que a única maneira de vencer um nível é por meio da tentativa e erro combinado com sorte às cegas. Naturalmente, o seu nível ainda pode ser difícil. Suas pistas sobre o que fazer podem ser sutis, os monstros a serem derrotados podem ser muito fortes ou as escolhas a serem feitas podem ser verdadeiramente desafiadoras, mas se os jogadores fizerem tudo perfeitamente, eles devem ser capazes de vencer seu nível na primeira vez em que jogarem. (ROUSE III, 2005, p. 465).

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